A caixa de mensagem do celular
estava entupida. A estação de trem estava entupida. O vagão estava entupido. As
padarias também seguiam cheias. Os mercados. As filas. As calçadas. As
rodovias. A paz. Os pensamentos. O coração. Minha privada também estava
entupida. E eu pensava: ‘merda!’ Literalmente falando e também no sentido
figurado. Tanto faz, estava tudo truncado.
O que aconteceu com o mundo? O
que aconteceu hoje? E para qualquer direção que olhava mais pessoas surgiam,
vindas não sei da onde, para enchermos os vagões, ônibus, trânsitos,
plataformas, lugares. Como se coubesse mais um de nós nos pequenos espaços em que nos
entocam, e o pior é que cabe, de algum jeito, de alguma forma, cabemos.
E assim vamos desfigurados,
distorcidos, contorcidos, espremidos, atolados, emputecidos, estressados, para o nosso destino. E no fim do dia
fazemos a mesma coisa, só que voltando. É isso, concluo, estamos aqui só para
ocupar espaço, e nossas inúmeras atividades servem para não pensarmos nisso. E
nossa correria de todo dia serve para não observarmos os caminhos. E os fones
que usamos servem para não notarmos as pessoas. E os livros que lemos servem
para nos afogarmos em outras vidas e realidades. E as bebidas que tomamos
servem para nos anestesiarmos e poder dizer só por hoje. E o futuro serve para
nos inspirar a continuar buscando alguma
coisa sem enlouquecer. E as ilusões servem para nos dizer que tudo no final
será como planejamos ou que há sentido em tudo isso, e de que por isso não
precisamos nos preocupar tanto ou questionar a realidade que vivemos. E os
celulares e a internet servem para nos sentirmos conectados com pessoas que não
vemos, não tocamos ou convivemos, porque estamos ocupados demais fazendo de
nossa vida alguma coisa, que na maioria das vezes, duvidamos do que exatamente
seja. E as fotos que publicamos na rede servem para mostrarmos ao mundo que
estamos bem e nossa expectativa primária é que todos acreditem e vejam como
nossa vida deu certo. E as férias que tiramos servem para termos a certeza de
que nossa rotina é mesmo uma loucura e nos mata todo dia um pouco mais, mas
tudo bem, pois existem 30 dias para não pensar nisso e viver de acordo como
acho que a vida deveria ser: leve, explorada, tranqüila, equilibrada, gostosa,
curtida, compartilhada, registrada, viajada, sem precisar de login e senha.
Sinto que todos sabem e percebem
que as coisas são assim. E todos vivem dentro desse globo da morte interna.
Quem nos deixou tão apáticos? Quem me deixou assim? E quando penso em
possibilidades de reverter alguma coisa, parece não haver uma saída palpável e
efetiva. É como se todos estivessem esperando o fim nos arrematar, e nossos
olhos brilham com essa expectativa, pois a impressão que dá é que não falta
mais nada, apenas isso, sermos sugados da existência por que isso aqui ficou
indigesto e insuportável. Então nos olhamos com ternura, nos lembrando que
somos humanos e há em nós essa humanidade esquecida, e nos damos colo, e nos
inspiramos, e dizemos tudo bem, tudo ficará bem, haverá um lugar melhor do que
esse. Então dormirmos tranqüilo, ganhando mais uns dias de vida antes da
próxima crise existencial.
Chego em casa, depois da loucura,
e a caixa de correio também está cheia. E minha pia está cheia, e meu lixo está
cheio, a máquina de lavar está cheia e eu também estou de saco cheio. Respiro
fundo. O mundo está entupido e parece não ter por onde evacuar. Pego uma toalha
seca e vou para o banho. A água é boa, cai objetiva no meu corpo. Coloco a
cabeça embaixo do chuveiro e procuro esquecer tudo e me concentrar apenas no
barulho de cada pingo que bebe minha pele. As gotas que caem no rosto se
misturam com lagrimas e já não tenho certeza se estou chorando mesmo. O ralo
suga todo excesso. Presto atenção no barulho que ele faz levando aquela água.
Tem dias que preciso sentir e ver parte de mim indo embora por algum lugar.
Desligo o chuveiro. Me seco. Vejo
se há algo de novo na geladeira, e é obvio que não há, não coloquei nada de
novo ali dentro. Pego uma bebida qualquer. O notebook já está ligado e pronto, ele
vai trabalhar um pouco. É quando começa a chover. Abro a janela para assistir o
espetáculo que as nuvens fazem. A água do céu desce forte e implacável. Eu
sinto pela chuva. Sinto muito por ela. Nossas ruas então lotadas de asfalto, e
agora, até as gotas do céu, irão se entupir e provar do inferno que fizemos
aqui embaixo.
Ellion Montino
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