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Dependência e Morte

Segunda-feira, cinco horas e cinqüenta e sete minutos da manhã, despertador tocando pela sexta vez e minha mão, pela sexta e última vez, aperta o botão para desligar aquela droga do bem.  Às seis e trinta da manhã o café já havia sido tomado, todo corpo já higienizado e pronto pra ir pro ponto de ônibus.

O tempo vai passando e às seis e trinta e três a chave já estava no trinco e eu a rodando trancando meu ócio naquelas quatro paredes e partindo para mais um dia normal e turbulento de estudo. Passos lentos, tortos e imprecisos. Alguns tropeços pelo caminho e algumas pausas no cérebro. Sete minutos depois eu já havia passado uma quadra do ponto e tive que voltar.

Esperei alguns minutos e durante essa espera algumas pessoas foram se aproximando do ponto com o mesmo intuito que eu, mas é claro que não tão zumbis como eu. Chegou! Todos foram entrando e, quando entrei, já não tinha mais lugar pra sentar. Levantei meu braço e segurei numa estrutura dentro do ônibus para que eu não caísse. Braço esticado, cabeça sobre o bíceps e olhos fechados que só se abriam a cada desequilíbrio meu.

Depois de alguns minutos, às sete e dez, cheguei no terminal e o outro ônibus já havia chegado. Graças a Deus eu consegui um lugar para sentar e, melhor ainda, na fileira onde sentei só tinha uma cadeira, ou seja, não ia ter nenhuma pessoa inconveniente pra sentar ao meu lado. Sentei e dormi.


Depois de um tempo, acordei assustado porque nos meus sonhos meu ônibus já estava chegando a Marte após ter sido bombardeado por uma chuva de meteoros. O ônibus real estava parado então me levantei e saí de dentro dele. Passei na biblioteca, peguei um livro pra minha namorada e fui para o meu bloco. Cheguei na sala às sete e quarenta, dez minutos atrasado, e descobri que não teria aula naquele dia. Decepcionado ou realizado saí da sala e fui refazer o meu trajeto, agora almejando minha cama. Ao sair da universidade fui descer a escada que dava acesso ao ponto de ônibus. Tropecei e caí detonado no chão. Se morri ou desmaiei, não sei, mas foi um descanso muito bom.

Diego Luque
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dez pras 9

Existe um barulho insuportável em alguns silêncios.
Existe uma perna inquieta quando se precisa ficar parado, esperando.
Existe uma ansiedade, quase incontrolável, que impede o instante.
Existe uma pressa sufocante que impossibilita a vista de onde se percorre.
Existem preocupações que nos ensurdecem.
Existe "isso" que não sabemos nomear, e "aquilo", que é melhor não mexer.
Existe uma linha do tempo onde, às vezes, não sabemos nos equilibrar.
Existe uma dificuldade em aceitar que essas coisas existem.

Existe uma felicidade simples que acende os olhos.
Existem gestos que nos roubam as palavras.
Existem pessoas que fazem valer o dia.
Existe uma esperança que não se cansa de esperar.
Existe uma força que nos impulsiona pra frente, mesmo que não enxerguemos o que há na frente.
Existe uma vontade latente de viver as 4 estações sem precisar negar nenhuma delas.
Existe um latejo constante pelas coisas que nos dão sentido.
E também existe uma dificuldade em aceitar que essas coisas existem.

Ellion Montino 


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Sobre culpados e a teoria do caos

Minha mãe vive dizendo que nada nessa vida acontece por acaso. Tudo no fim tem algum proveito, algum motivo. Nada é descartável, nem mesmo um bom dia ramelendo pro motorista do ônibus. É o mistério do cósmos, como ela gosta de se referir. Sabe, acho que ela tem razão.

Existe uma teoria que se encaixa perfeitamente nisso, é a Teoria do Caos, diz que um simples bater de asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo. Já parou pra pensar nisso? Que qualquer ação feita agora, mesmo que mínima pode mudar drasticamente o fim do seu dia? E assim, conseqüentemente, a continuação da sua história, ou seja, seu futuro?! O fato de você escolher andar por uma calçada e não por outra; escolher aquele restaurante pra almoçar e não outro; aquela faculdade e não outra; o retorno pra pegar o celular que esqueceu; aquele ônibus que não parou pra você quando deu sinal; aquele ponto perdido por causa de um sono profundo no banco do ônibus; a saída com seus amigos naquela noite em que você queria ter ido pra casa... Enfim, estamos cercados constantemente pelas inúmeras possibilidades de alterar nossa história para sempre. Um movimento nunca é mínimo, nunca. Uma escolha nunca é nada de mais, acredite.

Qualquer mudança mínima no meu passado alteraria drasticamente meu hoje e meu futuro. E sabe o que é assustador? É que isso é uma constante, agora mesmo eu estou definindo o que virá nos dias depois de amanhã mesmo sem me dar conta disso.

O mistério do cosmos e todos os propósitos que estão contidos nisso. Céus, são muitos, são muitas vidas envolvidas nisso. Cada ser humano é uma personagem principal e figurante ao mesmo tempo. Eu atuo e sou mero detalhe de cena na mesma hora, porque na mesma hora e no mesmo espaço milhões de vidas acontecem naquele instante junto com a minha. Pensando assim, eu, sem querer ajudo o universo a conspirar contra ou a favor da vida de outras pessoas. E o que eu tenho haver com a vida dos outros? Detesto me sentir usado.

Esse papo todo me faz pensar muito nessa construção linear do tempo, essa coisa de passado, presente e futuro. E eu sempre fui da seguinte opinião: O FUTURO NÃO EXISTE!

Já ouvi dizer que sou um cético melancólico. Mas existe alguma inverdade em afirmar que o futuro não existe? Vamos, pense um pouco. Me diga, o que é o futuro se não uma projeção da nossa mente, uma expectativa da nossa alma, uma ilusão, uma construção irreal do que virá. Mas o futuro, o futuro não existe. Ele não é um fato, simplesmente, porque não aconteceu. Dizem que o futuro é o algo ali na frente. Mas na verdade sabe onde ele está? Apenas aqui dentro. Não é la e sim aqui e não, não é porque está “aqui” que ele exista. Quem garante que a vida vai nos levar pra onde queremos ir? Quem garante que o que você espera de fato vai acontecer? Não meu amigo, a vida não nos dá garantias de nada e muito menos o futuro até porque o futuro não existe. O que existe é esse instante agora e tudo o que idealizo dentro desse meu presente. E meus ideais... Meus ideais são tão inexistentes quanto o futuro! Existem apenas na minha cabeça.

Temos essa dificuldade do instante. O pensamento vive vagando e nos transportando para outros lugares constantemente. No ônibus estou no trabalho, no trabalho estou em casa, em casa estou na faculdade, na faculdade estou nas férias, nas férias estou...não, nas férias eu não estou.

É o que vejo enquanto ando, enquanto passo por aqui, uma maioria ancorada no depois, no tempo vindouro, no inexistente. É como se cada um se lançasse à vida, sofrendo a ânsia do futuro e o tédio do presente. Evitam olhar o que tem agora. Por quê? Será mesmo o tédio? Deixam para melhorar as relações, o que são e a própria vida quando terminarem a faculdade; quando conseguirem um bom emprego; a promoção; uma esposa; aquele carro; aquela casa; quando...quando...quando...sempre depois. Fazem promessas para o agora baseados no que virá, se projetam para um futuro mágico onde tudo fica resolvido e solucionado.. São tão loucos quanto eu se formos pensar bem.

Quem de nós ainda repara no mundo que nos cerca? Pois é. Não sou imediatista, esse é o outro extremo. O imediatismo é recheado dessa gente que já não consegue esperar, ter paciência, que não entendem a lógica da colheita que é tão preciosa, onde temos uma semente, temos a terra, precisamos preparar o terreno, plantar, regar, cuidar, podar, acompanhar o crescimento. Não entendem a vida como um processo. O imediatismo não pensa em processo, na verdade penso que no imediatismo não há nem sequer o pensamento. Sabe de quem é a culpa? Não, a culpa não é das estrelas, e não vou responder a essa pergunta. Ela paira no ar esperando ser pega. Em outra Terça a gente fala mais sobre isso...

Ellion Montino


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Cidade do Vale

Punida por uma beleza majestosa
Uma simples cidade nasce
E a beleza, que a cerca, renasce a todo amanhecer

Um amanhecer melodioso
Que não ofusca a perfeição natural
Apenas dá um toque inicial que é acrescentado até o final

Uma cidade inquieta manipulada por seus anfitriões
Cada avenida nunca deserta
Sempre aglomerada por carros e pelas multidões

E pra quem pensa que só a natureza se destaca
Surpreende-se com a ação humana
Que de pedra em pedra e do puro nada
Constrói-se uma beleza que a todos encanta

Do que é mais natural provém o mantimento
Numa terra em que tudo convém
Planta-se hoje, colhe-se amanhã
E tudo sustém

E o sol forte da manhã que era ardente e em excesso
Evolui-se mais tarde com total sucesso
Num anoitecer fresquinho que nos moradores é expresso

A Cidade do Vale, o vale da cidade
Não é o que se nota
Porque o que importa
É que vale

(Poema referente à cidade de Cochabamba – BO)

Diego Luque