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Morrer ou perder a vida?


Era semifinal da copa do mundo. Já era minha sexta do mundo, mas a primeira que assistiria no estádio. Foi no Brasil e naqueles 65.000 assentos cabiam todos os 200 milhões de brasileiros. Como eu nunca antes assistira a um jogo lá de dentro eu estava muito nervoso. Estava com a camiseta amarela da seleção brasileira, short azul, meião branco e chuteira, uma de cada cor e com a braceleira de capitão no braço esquerdo, porque sou canhoto. Meu cabelo estava verde e amarelo, meu rosto verde e amarelo, uma mão verde e a outra amarela. Até meus dentes estavam amarelados. Minha corneta na boca, pronta pra assoprar. Eu estava pronto pra torcer, mas não para sofrer.

O jogo começou e aos cinco minutos do primeiro tempo a nossa seleção levou um gol. Um a zero pro México. Eu quase morri! - Como assim levar um gol agora? - eu perguntei pros jogadores, mas não me deram bola, literalmente. Mas mesmo assim continuei torcendo e o Brasil foi pra cima. Eu dividia minha atenção pro campo e pro relógio, campo e relógio, campo e relógio. E o tempo ia passando, o primeiro tempo estava quase no fim, 44 minutos, quando derrepente, na entrada da área, Neymar é derrubado. Falta! Perfeita. Daquelas que ele não erra. Eu estava praticamente na metade do estádio, e lá de cima eu torcia e gritava pro Brasil. Era a nossa chance de marcar. O juiz apitou, Neymar estava autorizado e... Goooooooool! O Brasil empatou! Neymar é o gênio da bola parada. O estádio todo vibrava euforicamente. O placar estava igual e o juiz terminou o primeiro tempo.

Eu corri pra comprar um lanchinho. A fila estava enorme, mas não interessa, eu estava com fome. A fome era tanta que o tempo foi passando e eu nem percebi que demorei muito lá na fila. Quando estava pagando o meu lanche eu ouvi a torcida mexicana comemorando um gol. Comecinho do segundo tempo e de novo o nosso time estava atrás. Peguei meu lanche e voltei correndo para o meu lugar. Quando cheguei, comecei a comer e, infelizmente, vejo o árbitro marcando pênalti pro México. Nãaaaaaaao! Tremi. Meus braços tremeram, meu sanduíche caiu no chão. - Brasil vai perder e eu ainda com fome. - falei sem acreditar nas duas partes do que falei. O México estava autorizado a cobrar e cobrou, e fez, e eu chorei. México 3, Brasil 1 e ainda estávamos nos dez primeiros minutos do segundo tempo.

O Brasil não desistiu. Foi pra cima, com raça, com força, com tudo, com nada, com o pé, com a mão, com a cabeça, com tudo que podia. Graças a Deus, aos quinze minutos, a seleção diminuiu com Fred. O jogo estava 3 a 2. E a torcida gritava que o campeão voltou, mas a gente estava perdendo... que confiança! E a seleção ia pra cima. Chance atrás de chance. Gritos e mais gritos. O ambiente agora estava gostoso. Muitas chances, mas não estavam sendo bem aproveitadas e o tempo ia passando e o nosso desespero era enorme. Quarenta minutos do segundo tempo, nosso placar estava atrás e o tempo correndo atrás da gente e a gente correndo atrás do tempo. Mas o jogo estava pra matar a gente, o México não pegou na bola o segundo tempo quase que inteiro, mas agora, no finalzinho, eles resolvem vir pro ataque. Atacaram, atacaram mas pararam nas mãos do nosso goleiro que, aos 44 do segundo tempo, rapidamente arma uma jogada que pega a defesa mexicana desprevenida e Neymar sai na cara do gol e esse tipo de bola ele não erra. Brasil 3, México também 3. E sem acréscimo o árbitro leva a partida para a prorrogação.

Os jogadores estavam cansados, o árbitro estava ofegando e estava exausto. Não aguentava mais nem um minuto sequer. Mas a prorrogação começou. E o tempo voava. Em menos de cinco minutos o primeiro tempo de quinze minutos acabou. E logo veio o segundo que também voou. O jogo estava se encaminhando para os pênaltis e eu resolvi descer as arquibancadas do estádio pra ficar mais perto dos jogadores. O meu relógio estava marcando 13 minutos do segundo tempo e o México estava no ataque. Comecei a gritar o nome do nosso goleiro. Gritava bem alto. Mas algo aterrorizante aconteceu. Em um momento eu gritei muito alto o nome do Júlio César, ele olhou pra mim e nesse exato momento o atacante mexicano, oportunista, mandou pro gol. México na frente e classificado para a final. E o Brasil? E o Júlio César? E eu? Bem, eu corri pra casa. Prefiro perder a copa do mundo do que perder a vida.

Diego Luque
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Fragmentos subliminares


Encosto a cabeça no travesseiro, meu quarto está escuro e o barulho ambiente se faz semelhante ao de uma ilha deserta, é o momento mais oportuno para a memória começar a fluir. O silêncio é denso, até posso senti-lo entrando pela janela, bem na frente da minha cama, o sono se atrasou, então as minhas lembranças chegam e se alojam prometendo demorar a partir, e uma batalha começa a ser travada dentro de mim. Respiro fundo, tento desviar meus pensamentos para o frio que sinto, mas é em vão.
Inevitavelmente as lembranças ficam mais fortes, das mais banais até as mais intensas, sem esquecer as tranquilas e perturbantes, das mais antigas até a rotina de hoje de manhã. Não lembro detalhadamente como cada uma é, parte dos meus pensamentos está oculto em meu subconsciente. Em muitos momentos me esforço para conseguir juntar cacos da minha infância, mas sei que nem tudo era bom, por não poder superar isso metade de mim é solitária.
Reflito sobre meus erros e o que aprendi com eles. Lembro do que sinto falta, como uma casa na árvore ou um almoço com a família reunida em um domingo, mas sei que nada disso vai voltar. Cada lembrança trás a tona uma especie de fragrância, como se cada época de minha vida tivesse um cheiro. Odores de suaves lembranças, de lugares e pessoas. Perfumes únicos e raros, do qual reconheço muito bem, de onde vieram e para onde me transportarão.
A opacidade de minhas lembranças terminam a ponto de me fazerem chorar, por não conseguir controlá-las, lágrimas doces de alegria se misturam com lágrimas amargas de ódio. Assim como alguém apaga com os pés um desenho na beira da praia, sinto também que algo está faltando. Não faço ideia do que seja, mas tenho a certeza que partes do meu passado ainda não foram reveladas, é frustante, mas tento entender o porquê de tudo, faíscas de memórias tão irracionais, me cansa saber que todos os dias antes de dormir é esta mesma novela, não me acostumo.
Mas a esperança me faz ter forças para esperar a peça chave perdida, que surgirá para montar o quebra-cabeça dos meus pensamentos.

Karen Lancerotti

Esse texto foi escrito em maio de 2012 que serviria para um projeto que viraria livro... Tive como ajuda os pensamentos de meu amigo Orlando Garcia.
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Você não perguntou


Você não perguntou como foi o meu dia, mas eu resolvi te contar mesmo assim. Não foi diferente dos últimos, e eu também estou longe de ser a pessoa mais interessante do planeta. Eu não sei puxar assuntos diferentes, e vivo na rotina, aquela de sempre. Mas um dia eu encontrei você. No meio de todas as pessoas chatas, eu te encontrei, e agora, eu não sei mais viver sem você.

Eu pensei em te ligar no dia seguinte. Nós teríamos rido do que aconteceu na última noite, e você talvez dissesse que queria me ver. Eu me peguei querendo você. Uma, duas, dez vezes. E nós podíamos ter nos encontrado. E você ficaria me olhando enquanto eu contava a mesma história pela milésima vez, e eu descobriria mais tarde que a sua banda favorita também é a minha. Mas eu segui em frente.

Continuei fazendo as minhas coisas. Faculdade, trabalho, casa. No meio do caminho eu até me senti feliz quando vi um casal de velhinhos na rua, e a única coisa que eu pensava era: “onde será que está você?”. Ao longe encontrei aquele parque, no qual eu caí como de costume. Eu poderia passar por lá, mas você não estava perto para me segurar.

Chegando em casa, eu não te encontrei lá. Nem no meu sofá, nem no meu celular, nem na minha parede. Na minha cama, no entanto, o seu lugar estava reservado, e nos meus sonhos, você estaria exatamente onde deveria estar.

Eu queria você. O seu abraço, seu sorriso, o seu ombro, suas palavras, e seu olhar. Mas não havia nada de especial para fazer você aparecer. Sabe, as vezes o amor não é suficiente, mas mesmo sem você perguntar, eu quis te dizer. O meu dia foi vazio, mas cheio de você. 

Andressa Oliveira
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Queria ser nuvem, pairar

Newton, um nome estrangeiro que lhe rendeu boas provocações. Desde muito cedo aprendera que o "w" um dia entraria para o alfabeto do Português. Não sabia, entretanto, que isso demoraria tanto. Seu nome parecia clandestino. Por isso, em sua imaginação ele fazia parte deste clã: o clã-destino. O nome de um homem é o como ele é apresentado ao mundo. Ele sabia disso.
Nascido em uma cidade tão pobre e desarranjada, se sentia estrangeiro. Ainda criança, ganhou um apelido: Nito. Não se importou durante muitos anos com este chamamento vulgar. Aliás, sentia-se parte daquilo tudo, se livrava do "w". Corria pelas ruas, arranjava confusão com crianças da outra rua... Se perguntassem seu nome, dizia sempre: "Nito, por quê?!". Ninguém revidava.
Dizem que a educação deve vir de casa. O pai de Nito era pedagogo e pensava assim. Sua mãe era livre, não trabalhava, mas jamais ficava desocupada - educava seu filho, instruindo desde a convivência familiar à social. O garoto cresceu assim, recebendo a educação de que tanto se fala. Logo, descobriu que caráter e educação são coisas diferentes. Sabia se comportar, calar e não responder. Mas isso nunca significou bondade ou maldade para ele; era só educação.
Nito cresceu, adolesceu e quis ser Newton. Decidiu entender e aceitar a si. Apresentava-se como Newton, sorria quando escreviam "Nilton", corrigia docemente contando sobre Isaac Newton e sobre o "w" que não existia no alfabeto do Português. Ria de quase tudo. Já havia entendido que o presente virava memória, que o que se torna memorável modifica o caráter.
A vida, então, a cada dia, se tornava uma ânsia pelo imprevisível e pelo inesperado. Nito entendia, - desculpe, - Newton entendia que não seria possível forjar o caráter de um ser completamente exposto ao acaso. Suas decisões refletiam a educação que recebera, no entanto, sempre ficava muito evidente que ele era livre para mudar suas memórias no futuro. Negar princípios. Questioná-los, ao menos. Quando algo o surpreendia, pensava, antes de tudo, em como se lembraria daquilo no futuro. Um jeito interessante de viver.
Se nosso caráter é fruto da nossa memória, investigar a memória genética e histórica seria  libertador.  Recuperar a memória de seus antepassados parecia um caminho acertado. Então, percebera seu grande defeito de caráter, não tinha genealogia. Sua árvore genealógica era a mesma feita no jardim de infância, acabava nos avós; era tudo o que sabia. Não há documentos, seus avós foram escravos, imigrantes, índios, desconhecidos. O imprevisível se tornara o imemorável. Não sabendo de onde viera, entendeu que em seu corpo podia correr o sangue do herói ou do bandido; sangue azul ou "selvagem"... enfim, parecia livre para ser.
Mas seu nome era Newton, não Nito. Nome saxônico. Homem latino-americano. Sangue imemorável. Brasileiro. Percebeu-se ao mesmo tempo singular e plural. Como as nuvens. Nuvens são sempre únicas, têm aparências incrivelmente diferentes, mesmo sendo iguais. Entendeu. Somos como as nuvens, que pairam no ar. Umas se dissipam. Outras tornam-se densas. Algumas se agrupam e chovem. O vento leva. O tempo leva. São tantas, que não são inesquecíveis. Todos se lembram das grandes chuvas e não das nuvens. A memória não é sobre os homens, mas sobre o que chovem, suas ações.
Queria ser nuvem, pairar. Viver uma existência fugaz. Poder olhar tudo de cima, contemplar as paisagens e passar pela terra chovendo onde há secura. Se o caráter se faz com memórias, se não é possível prever o que será memória amanhã, a liberdade consiste em escolher ser efêmero. Já que, para muitos, não há genealogia. A identidade de Newton foi formada do vapor de chuvas passadas que molharam muitos e misturou-se ao sangue e ao suor de quem já foi nuvem.

Luiz Henrique F. Cunha é professor e escritor
tem um blog http://luizhenrich.wordpress.com
Seu livro novo tem um site: http://historiade50metros.com

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Oh meu amor!


Meu amor, estou caminhando rumo ao sol do seu olhar. Estou te procurando em cada esquina. Sonhei com o brilho do seu sorriso chamando por mim. Eu te quero e vou até o fim. Me espere. não demoro. O tempo não destrói o amor.
Eu sentei na varanda de casa e lembrei das suas mãos me puxando para o calor do seu corpo. Eu vou te amar. Eu só sei te amar.
Velhos tempos em que eu te tinha por perto. Você entra nos meus sonhos, e escorrega para os meus planos. Lembro do seu sorriso.
Eu vou te buscar. Eu vou te acompanhar. Eu vou te encontrar. O meu amor é pra vida toda, ele há de durar. Acredite.
Seu toque gentil me faz perder a calma, chega mais perto, eu não vou mais fugir de você. Meu amor é sincero, ele te quer por perto, ele quer te alcançar.
Vem me acompanha, eu não quero mais chorar por está distante do teu colo, qualquer condição to aceitando, ter você do meu lado já vai ser o suficiente.
Meus lábios nunca mais desejaram outros, após ser tocado pelo teu. Se quer ser feliz, eu sei como fazer isso!
Estou naquele mesmo lugar onde costumávamos nos encontrar, trouxe teu doce favorito, vê se te decide porque aqui tem um coração a te esperar!



Karen Lancerotti
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Tudo

Como seria o mundo se vivêssemos sem mentir; 
se quiséssemos o bem coletivo; 
desculpássemos e soubéssemos sabiamente consentir?
Discordamos, destoamos, desafinamos e desafiamos. 
Lutamos contra nós, 
pensando estarmos sós. 
Sem pensar que a natureza é um todo 
orquestrado. 
Somos parte, 

não tudo. 

Luiz Henrique F. Cunha é professor e escritor
tem um blog http://luizhenrich.wordpress.com
Seu livro novo tem um site: http://historiade50metros.com

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Aqueles dias


As propagandas de absorvente que me perdoem, mas desde os meus 10 anos de idade, eu nunca me senti como aquelas mulheres. Será que eu estou fazendo errado? Eu que tenho defeito? Alguém devia ser processado por não dar o que promete.
Voltando no tempo, eu não chorei quando fui ao banheiro e percebi que havia virado mocinha. Na verdade fiquei feliz em ser a primeira das minhas amigas, e ainda, ter uma desculpa para o meu mau humor. Só que junto das explicações sobre as cólicas e dores de cabeça, ninguém me falou nada sobre a TPM.
No começo, eu achava que era coisa de filme, e que as mulheres exageravam. Talvez eu fosse nova demais para entender, mas depois eu descobri que eu não só tenho TPM, como ela é violenta, exagerada, e bipolar. Eu geralmente vou do “não abra a boca, você me irrita” ao “me deixe em paz, eu quero morrer”. Ainda bem que minhas amigas perceberam isso sem eu ter que explicar, mas eu tenho pena daqueles que me perguntam o que aconteceu comigo nesses dias.
Além da parte do humor não instável, há outro problema, dos grandes. Eu não faço a mínima ideia de quanto tempo ela vai durar. Algumas vezes, é só por uma semana, as vezes são três. Antes, durante e depois. Praticamente um mês. Quem vai aguentar um mês de uma mulher louca com TPM. Posso garantir que os meus ex-namorados não aguentaram.
Namorado. Todo mês um teste de sobrevivência. Não é de amor não, viu? É paciência mesmo, porque ninguém deve ser obrigado a aguentar uma mulher que briga por motivos inexistentes. E os filmes? Que de repente começam a ter respostas para todas as suas perguntas, ou servem para acabar com o seu dia, mais do que ele já está destruído. Digo isso, porque uma vez, enquanto assistia a um filme sobre uma viciada em compras, chorei do início ao fim. DO INÍCIO AO FIM. Provavelmente, essa não era a intenção deles, não é?
Depois de muita gritaria, choro e brigas, você deita e percebe que isso não passa de uma fase, e que amanhã vai melhorar. Mas aí chega o outro mês, e o outro, e o outro, e você nem sabe mais o que é fruto da TPM e o que não é, e entende que as vezes, é bom se deixar expressar, mesmo que seja de uma forma maluca e sem fim. Pelo menos é você, “mesmo sendo bizarro”.

Andressa Oliveira
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discussão com a geladeira aberta

- Amor, cadê a margarina?  

- Ta aí.

- Aqui onde?  

- No lugar de sempre, amor. É só procurar direito que você acha.            

...

- Amor...        

- Oi..   

- Não tô achando. Tem certeza que você guardou aqui?   

- Por que vocês homens nunca encontram nada, hein?     

- Do quê você tá falando? Eu só quero o raio da margarina que você escondeu.

- Sei, a margarina, a cueca, meia, as roupas, documentos, livros. Quer mais ou tá bom?

- hahaha, a culpa não é minha se você muda o lugar onde guarda as coisas.      

- Aham.          

...

- E então?      

- Então o que meu deus do céu?     

- Cadê a margarina? 

- ESTÁ AÍÍÍ!!!   

- Eu já olhei em tudo aqui. Até no freezer.   

- Você não pode comer com outra coisa, não? Tipo maionese?    

...

- Amor.          

- QUE FOI?   

- Cadê a maionese?  

- Você tá de brincadeira comigo, né!!           

- Hahaha, pior que não. Vem aqui procurar.           

- Como é que é?          

- Vem aqui procurar a margarina e a maionese.     

- Eu cheguei agora, tive um dia cheio, estou toda bonita e confortável no sofá vendo TV e você quer que eu vá aí procurar margarina e maionese?      

- É o preço, querida.  

- Preço do quê?        

- De ficar escondendo as coisas. Anda, vem logo e pára de reclamar.     

- ...se eu for aí e achar essa bendita da margarina ou a maionese eu vou arrebentar a sua cara!!          

- Olha que eu piro numa mulher selvagem, hein.    

- Hahaha, besta.        

...

- E aí, vai vir ou não?

- Olha... eu vou te estourar tanto se eu for aí e achar... 

- Hahaha, você achando é o que importa, amor!    

Levantou irritada, bufando, agitada. O olhava como um inimigo mortal naquela hora. O ócio, o descanso e a paz indo embora por causa de uma margarina. Pensava de onde aqueles comerciais tiravam a ideia de que uma família era feliz por causa daquelas coisas.

- Vai, chega pra lá. Aqui óh, a margarina fica sempre do lado...QUE BOLO GIGANTE É ESSE???     

- Parabéns pra você nessa data, querida. Muitas felicidades. Muitos anos de vida.          

- Aaaaaaah seu bobo. Não acredito nisso.  

- Surpresa, amor. Agora vamos comemorar.         

- Hahaha seu bobo! Você é muito idiota...hahaha... mas do tipo que eu amo.   

- Homem WINS?      

- Hahahaha, sem dúvidas.    

...

- Amor..         

- Fala..

- Cadê o vinho?


Ellion Montino
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Lego House

É muito gostoso relembrar a infância. Momentos passageiros que ficam pra sempre na cabeça ou em qualquer outra parte do corpo. Lembrar-se da infância dá vontade de viver lembrando...

Melhor ainda é pensar que a nossa única obrigação era ir pra escolinha e não fazer xixi na cama. Mas hoje nem ligo se acordar um pouquinho molhado, até porque estou velho o suficiente pra me levantar de madrugada e ir ao banheiro. Quando falo de infância eu penso em amigos. Criança sabe fazer amigos. Isso não se discute. Tanto sabe que existem os chamados amigos de infância. E as amizades que se fazem de pequeninos são mais que verdadeiras. Não menosprezo aqui os amigos mais recentes, amigo é amigo. Mas os de infância...

Eu tenho um amigo assim. Não vou dizer o nome dele, mas ele é o colunista de terça do Quase6. (Ah! sim, esse texto é bem pessoal.) Lembro-me dos dias de moleque mijado. Ele era o cara que eu queria ser. Queria tanto que eu o imitava. E eu o imitava tanto que isso o irritava muito. Mas era o meu melhor amigo, eu precisava ser igual a ele! Ele comprava um carrinho, eu ia e pegava um da mesma cor. Comprava uma luva colorida, e eu também tinha que ter a minha. Eu até morei nas mesmas cidades que ele, só que isso não era minha culpa. Ele era o melhor pra mim, e ainda é. Ele vivia lá em casa, aaah e como eu queria que ainda vivesse lá.

A gente brincava de tudo, futebol, barata no ar, polícia e ladrão, aquelas brincadeiras com o nome repetido, mas o melhor era o lego. Com certeza a gente moraria em uma casa de lego. Como era incrível montar aqueles monstruosos castelos com ele. Cada pecinha construída construía uma amizade com algo mais firme que o lego, mas tão divertido quanto. Ele me protegia sempre. Um escudo de lego? Talvez. Mas ele era um irmão mesmo. Meu amigo. Meu melhor amigo.

O fato mais recente e mais marcante na minha memória foi sair do meu estado pra encontrá-lo em outro estado que não era o dele. Foi o abraço mais gostoso e o susto mais apaziguador que já levei. No meio de cinco mil pessoas ele me achou. E eu também o acharia porque ele é único. Meu amigo, meu melhor amigo.


É muito bom relembrar esses momentos. Reviver cada pedacinho de lego que já construí. Eu amo relembrar a minha infância, até porque meu amigo está lá. Mas graças a Deus, também gosto de viver o presente porque aqui ele também está.

Diego Luque
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Animal

Sem que o animal tivesse tempo para reagir, avançou e torceu o pescoço do bicho e não largou até sentir vazios os pulmões do animal. Ao lado, chorou sobre o corpo de sua criança morta por uma fera. Haviam sinais de luta, as mãos da pequena criança estavam machucadas, com muito sangue. 

Num instante de lucidez, percebera que havia uma faca na porta de um dos quartos. Sorriu em meio ao desespero, entendeu que o filho lutou pela vida, se armou, foi bravo. Levantou-se e foi em direção a porta.

Quando abaixou para pegar o objeto, seus olhos seguiram os rastros de sangue quarto adentro... Um par de botas enormes. Seguido por calças pretas e uma jaqueta escura. O cadáver também tinha os cabelos mal-cortados e as unhas enormes. 

Lembrou-se dos momentos em que o garoto e o bicho brincavam e sorriam. Sim, o animal sorria. Há na natureza uma pureza que perdemos com o tempo. Parece que a vida civilizada, moderna, ou como quiser chamar, nos rouba a alegria. Os bichos sempre nos lembram que a vida é pra viver, não só pra ganhar.

Entendeu.

O garoto havia sido vítima de outro bicho. Um homem. E ele matara um inocente. O pobre animal havia lutado para salvar sua criança, por isso estava também coberto de sangue. E ele, também um homem, feriu um ser sem que este pudesse se defender. Compreendeu ali que, ser humano, não era motivo de orgulho. Decidiu que devia morrer e fazer justiça, diminuir a humanidade. Com a mesma faca, cortou-se, esvaziando, enfim, seu corpo. Com os olhos prestes a fechar para sempre, viu sua criança abrir os olhos...
 
Luiz Henrique F. Cunha é professor e escritor
tem um blog http://luizhenrich.wordpress.com
Seu livro novo tem um site: http://historiade50metros.com

 
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O Caminho do Rio! Final.



Uma semana se passou desde o ocorrido daquele fim de semana, eu já estava de volta a minha vida normal em São Paulo, mas aquela noite não saia da minha cabeça e principalmente o que ocorreu depois de todo aquele alvoroço.
- Você anda muito pensativa Adriana. O que ta acontecendo? - Eduardo disse sentado do meu lado na mesa da cozinha.
- Ah... sei lá...
- Se você não quer falar sobre não precisa.
Aquelas palavras me faziam sentir uma culpa que estourava uma veia no meu coração, eu sorri amarelo para ele, me levantei e fui tomar banho. Quase por uns segundos eu senti vontade, uma vontade imensa de contar para ele o que tinha acontecido, não por arrependimento e sim por culpa afinal ele é uma pessoa maravilhosa.

x-x-x-x

- Ele perguntou de você...
- Não fale nada, não quero saber dele, entendeu Mariana? Foi só uma noite.
- Então tá né... Mas convenhamos que ele é uma gracinha.
- Eu devia parar de te ouvir.
- Fica calma o Eduardo não vai ficar sabendo.
- Confio em ti, não confio é em mim.
- Ah pelo amor, você não é nenhuma criança e as pessoas cometem erros, se perdoe e você se sentira melhor.
- Não é fácil assim
- Eu sei

x-x-x-x-x-x-x

Quase três semanas se passaram e eu já tinha esquecido aquele fim de semana, e ele nunca mais me ligou, só que quando se pensa que os problemas sumiram é ai que eles voltam...

- Amor tira esse chocolate da minha frente que esse cheiro está me irritando.
- Mas como? É o teu preferido, olha direito.

Realmente era o meu preferido, chocolate apimentado.
Eduardo sentou do meu lado na cama e ficou a observar o livro que eu estava lendo.

- Adriana você ta bem?
- O que te leva a achar que não?
- Já percebeu que tu anda enjoando coisas que você gosta? Como chocolate e macarrão.
- Não tinha parado para pensar, vai ver não curto mais.
Eduardo ficou me olhando.
- Você não tá achando que eu to.... né?
- To achando sim.

Levantei da cama e corri pro banheiro, ele foi atrás.

- Quer vomitar né?
- Deve ser a gastrite... - Disse sem muita certeza, enquanto tentava vomitar.
- Essa náusea é irritante - esmurrei o espelho do banheiro.
- Esperando um pouco que já volto! - disse Eduardo saindo correndo do quarto.
- APROVEITA E NÃO VOLTA. - gritei

Só posso tá com tpm, pensei enquanto escovava os dentes para as náuseas passarem.

- Usa isso aqui. - Disse Eduardo me entregando uma sacola.
- Nossa demorou hein? Que remé... Como assim... Tu ta achando mesmo que eu...
- Só faz o teste, é rapidinho.
- Ok

Minutos depois...

- E ai?
- Eu acho que de hospital é mais confiável...
- Mas esse dai deu o que?
- Positivo....
- Positivo? 

Fiz que sim com a cabeça, e passamos alguns segundos eternos nos olhando e eu só conseguia pensar "Cara que bosta"

- Então... eu.. vou ser pai?
- Parece que sim. Mas eu quero ir no hospital ter certeza disso, porque eu não consigo acreditar.

Eduardo me abraçou e passamos um bom tempo assim.

 x-x-x-x

Eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser na hipótese do pai ser outra pessoa, mas eu estava com o Eduardo, ele estava feliz com aquela noticia e aquilo me alegrou. Meses se passaram e tudo foi se tornando cada vez mais aceitável, a primeira ultrassom, o primeiro movimento do bebê, o dia em que descobrimos que seria um menino, o dia em que ele nasceu, a vida estava tudo o que eu tinha sonhado passar ao lado dele anos antes, tudo se encaixando.

- Vou ao Rio esse fim de semana visitar Mariana e levarei Miguel comigo, ta?
- Não vai se descuidar dele?
- Prometo que não.
- Seja uma boa mãe.
- Eu já sou! 

Em um ano e seis meses o Rio de Janeiro não tinha mudado nada, igual como sempre, o mesmo calor, as mesmas pessoas calorosas, o mesmo ânimo, a mesma alegria...

- Mandei fazer um vestido lindo para você usar na minha formatura Adriana.
- Ah mas eu nem vou demorar na festa.
- Tem que está elegante assim mesmo e eu arrumei uma babá pra ficar com o nosso pequenino.
- Mariana não vou deixar meu filho com qualquer uma.
- Relaxa não é com qualquer uma, é com a Dona Maria minha babá da vida toda.

x-x-x-x-x

- Ele está aqui.
- O que?
- Desculpa, só to avisando.
- Vou fingir que nem conheço.

Sentamos na mesa dos convidados, e ele sentou em uma mesa que ficava em um canto junto com uns amigos e estava de frente para mim, tentei evitar não trocar olhares.

- Vou ao banheiro.
- Não demora Mariana.

Quando estava saindo do banheiro senti uma mão grossa e macia me puxando pelos braços.

- Por que você tem me evitado todo esse tempo?
- Precisamos esquecer o que aconteceu, agora me solta.
Ele soltou.
- Só me responde uma coisa.
- Pergunta.
- Eu fui tão ruim assim? Eu te fiz tão mal assim?
- Esqueça. Eu quero você longe de mim, eu cometi uma besteira aquele dia e se você se apaixonou o problema é inteiramente seu, você se iludiu, só me aproveitei da tua vontade para um desejo carnal, acredite só te usei.
Ele ficou me olhando nervoso e tenso e continuei...
- Saiba que você foi só um objeto, se iludiu por muito pouco, cara, cresce.
- Terminou?
- Terminei.
Ele aproximou o rosto bem perto do meu, olhou em meus olhos, seus olhos estavam lacrimejando e falou em meu ouvido.  
- Sua mentirosa de merda!
E foi embora, enquanto eu apenas fiquei parada, intacta e perplexa pensando sobre o que tinha acontecido, eu tentei amenizar as coisas, mas ele, cara, ele....

- Já vou.
- O que aconteceu Adriana?
- Eu não to bem.
- Ele te fez algo?
- Não, eu só quero ir. Me desculpa, eu te amo Mariana, mas tenho que ir.
- Tudo bem eu entendo.



Mariana me deu as chaves do carro e me abraçou. Depois daquele dia decidi que nunca mais voltaria ao Rio e assim então seguiria minha vida com Eduardo e Miguel, fiz besteira, me envergonhava daquela atitude covarde que tomei e sei que esconderia qualquer tipo de vestigios sobre todos os meus erros com aquela pessoa e guardaria comigo para todo o sempre.

Karen Lancerotti

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Uma sexta-feira a noite


Eu não aguentava mais trabalhar naquele lugar. Tudo bem, fui eu que decidi largar tudo e ir para Nova York e agora eu teria que me virar para me sustentar, mas esse trabalho é insuportável. Bêbados dando em cima de mim o tempo todo, um patrão safado e companheiras de trabalhos promíscuas. Essa era a vida que eu estava vivendo, tudo que eu sempre pedi para que nunca acontecesse comigo.

Era sexta-feira à noite. O pior dia de trabalho. Eu não entendo porque as pessoas gostam tanto da sexta sendo que muitas ainda trabalham no sábado. Estava a caminho do trabalho, quando um grupo de meninos passou com o carro por cima de uma poça me molhando toda.

-Valeu! – eu gritei. Um deles botou a cabeça pra fora e ficou me encarando enquanto o carro ia sumindo. Ele era um rapaz bem bonito. Cabelos pretos, um olhar lindo e o sorriso torto mais encantador que eu já havia visto. Vi que não tinha muito o que fazer com minha roupa e fui assim mesmo para o trabalho.

Chegando lá ouvi reclamações do chefe, risadas das outras funcionárias e gritos dos clientes bêbados por causa da minha roupa. “Ótimo” pensei.

-Emily, vai atender aquela mesa lá. – meu chefe gritou em meio a música alta que tocava lá.

-Não tem outra pessoa para ir atender? – eu resmunguei e ele me olhou torto.

-Não. As meninas estão fazendo a apresentação delas. Você nunca quis se juntar a elas, então eu te dou 5 segundos para ir aquela mesa. – eu revirei os olhos e fui. “Ótimo” pensei de novo. São aqueles meninos lerdos que me molharam agora pouco.

Eu me aproximei deles e vi que eles pararam de falar seja lá o que eles estavam falando, e começaram a me encarar.

-E então, vocês vão querer alguma coisa? – Vi um deles dando um sorriso malicioso e os outros começaram a rir.

-Eu posso escolher você? – O moreno que eu havia visto por último respondeu. Eu pensei em várias respostas que eu poderia dar, mas nenhuma pareceu boa o suficiente.

-Para onde você vai me levar? – eu levantei uma sobrancelha e quando me dei conta todos os seus amigos estavam, digamos assim, chocados.

-Para o paraíso. – ele deu um leve sorriso torto que fez com que meus lábios automaticamente fizessem isso também. Ironia do destino ou não, começou a tocar no bar, pela primeira vez em 2 anos uma música pop, E.T. da Katy Perry. Take me, T-T-Take me, wanna be your victim, ready for abduction. (Leve-me, le-le-leve-me, quero ser sua vítima, pronto para a abdução). Essas palavras fizeram com que eu tomasse uma decisão que mudaria minha vida.

-Pode me levar então. – Eu estendi minha mão fazendo com que ele a pegasse e me tirasse daquele lugar. Ouvi meu chefe gritar coisas do tipo “volta aqui”, “ela é minha melhor atendente”, mas eu continuei andando com todas as forças que eu tinha.

-Hey, antes de fazer qualquer coisa, qual o seu nome? – ele parou na minha frente, me encarando com um sorriso torto na cara.

-Emily. Emily Cherri – eu tinha um sorriso no rosto, que eu não conseguia tirar dali, mesmo se eu quisesse. – E o seu nome? – ele abaixou a cabeça com um sorriso.

-Logan. Logan Henderson. – ele estendeu a sua mão para que eu pegasse nela – Está preparada para isso my lady? – eu segurei em sua mão e com o mesmo sorriso ainda estampado no rosto eu respondi:
-Só me leve para o paraíso e não me deixe jamais. – eu não acreditava nas palavras que saíam da minha boca, não parecia eu mesmo falando.

-Isso é uma promessa – ele assentiu com a cabeça e nós começamos a andar sem rumo pelas ruas de Nova York.

Andressa Oliveira
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dor!..
quanta...
quanta dor...
quanta dor cabe...
quanta dor cabe na palavra...
quanta dor cabe na palavra dor?
quanta dor cabe na palavra?
quanta dor cabe?
quanta dor?
quanta?

Ellion Montino