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Dependência e Morte

Segunda-feira, cinco horas e cinqüenta e sete minutos da manhã, despertador tocando pela sexta vez e minha mão, pela sexta e última vez, aperta o botão para desligar aquela droga do bem.  Às seis e trinta da manhã o café já havia sido tomado, todo corpo já higienizado e pronto pra ir pro ponto de ônibus.

O tempo vai passando e às seis e trinta e três a chave já estava no trinco e eu a rodando trancando meu ócio naquelas quatro paredes e partindo para mais um dia normal e turbulento de estudo. Passos lentos, tortos e imprecisos. Alguns tropeços pelo caminho e algumas pausas no cérebro. Sete minutos depois eu já havia passado uma quadra do ponto e tive que voltar.

Esperei alguns minutos e durante essa espera algumas pessoas foram se aproximando do ponto com o mesmo intuito que eu, mas é claro que não tão zumbis como eu. Chegou! Todos foram entrando e, quando entrei, já não tinha mais lugar pra sentar. Levantei meu braço e segurei numa estrutura dentro do ônibus para que eu não caísse. Braço esticado, cabeça sobre o bíceps e olhos fechados que só se abriam a cada desequilíbrio meu.

Depois de alguns minutos, às sete e dez, cheguei no terminal e o outro ônibus já havia chegado. Graças a Deus eu consegui um lugar para sentar e, melhor ainda, na fileira onde sentei só tinha uma cadeira, ou seja, não ia ter nenhuma pessoa inconveniente pra sentar ao meu lado. Sentei e dormi.


Depois de um tempo, acordei assustado porque nos meus sonhos meu ônibus já estava chegando a Marte após ter sido bombardeado por uma chuva de meteoros. O ônibus real estava parado então me levantei e saí de dentro dele. Passei na biblioteca, peguei um livro pra minha namorada e fui para o meu bloco. Cheguei na sala às sete e quarenta, dez minutos atrasado, e descobri que não teria aula naquele dia. Decepcionado ou realizado saí da sala e fui refazer o meu trajeto, agora almejando minha cama. Ao sair da universidade fui descer a escada que dava acesso ao ponto de ônibus. Tropecei e caí detonado no chão. Se morri ou desmaiei, não sei, mas foi um descanso muito bom.

Diego Luque
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dez pras 9

Existe um barulho insuportável em alguns silêncios.
Existe uma perna inquieta quando se precisa ficar parado, esperando.
Existe uma ansiedade, quase incontrolável, que impede o instante.
Existe uma pressa sufocante que impossibilita a vista de onde se percorre.
Existem preocupações que nos ensurdecem.
Existe "isso" que não sabemos nomear, e "aquilo", que é melhor não mexer.
Existe uma linha do tempo onde, às vezes, não sabemos nos equilibrar.
Existe uma dificuldade em aceitar que essas coisas existem.

Existe uma felicidade simples que acende os olhos.
Existem gestos que nos roubam as palavras.
Existem pessoas que fazem valer o dia.
Existe uma esperança que não se cansa de esperar.
Existe uma força que nos impulsiona pra frente, mesmo que não enxerguemos o que há na frente.
Existe uma vontade latente de viver as 4 estações sem precisar negar nenhuma delas.
Existe um latejo constante pelas coisas que nos dão sentido.
E também existe uma dificuldade em aceitar que essas coisas existem.

Ellion Montino 


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Sobre culpados e a teoria do caos

Minha mãe vive dizendo que nada nessa vida acontece por acaso. Tudo no fim tem algum proveito, algum motivo. Nada é descartável, nem mesmo um bom dia ramelendo pro motorista do ônibus. É o mistério do cósmos, como ela gosta de se referir. Sabe, acho que ela tem razão.

Existe uma teoria que se encaixa perfeitamente nisso, é a Teoria do Caos, diz que um simples bater de asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo. Já parou pra pensar nisso? Que qualquer ação feita agora, mesmo que mínima pode mudar drasticamente o fim do seu dia? E assim, conseqüentemente, a continuação da sua história, ou seja, seu futuro?! O fato de você escolher andar por uma calçada e não por outra; escolher aquele restaurante pra almoçar e não outro; aquela faculdade e não outra; o retorno pra pegar o celular que esqueceu; aquele ônibus que não parou pra você quando deu sinal; aquele ponto perdido por causa de um sono profundo no banco do ônibus; a saída com seus amigos naquela noite em que você queria ter ido pra casa... Enfim, estamos cercados constantemente pelas inúmeras possibilidades de alterar nossa história para sempre. Um movimento nunca é mínimo, nunca. Uma escolha nunca é nada de mais, acredite.

Qualquer mudança mínima no meu passado alteraria drasticamente meu hoje e meu futuro. E sabe o que é assustador? É que isso é uma constante, agora mesmo eu estou definindo o que virá nos dias depois de amanhã mesmo sem me dar conta disso.

O mistério do cosmos e todos os propósitos que estão contidos nisso. Céus, são muitos, são muitas vidas envolvidas nisso. Cada ser humano é uma personagem principal e figurante ao mesmo tempo. Eu atuo e sou mero detalhe de cena na mesma hora, porque na mesma hora e no mesmo espaço milhões de vidas acontecem naquele instante junto com a minha. Pensando assim, eu, sem querer ajudo o universo a conspirar contra ou a favor da vida de outras pessoas. E o que eu tenho haver com a vida dos outros? Detesto me sentir usado.

Esse papo todo me faz pensar muito nessa construção linear do tempo, essa coisa de passado, presente e futuro. E eu sempre fui da seguinte opinião: O FUTURO NÃO EXISTE!

Já ouvi dizer que sou um cético melancólico. Mas existe alguma inverdade em afirmar que o futuro não existe? Vamos, pense um pouco. Me diga, o que é o futuro se não uma projeção da nossa mente, uma expectativa da nossa alma, uma ilusão, uma construção irreal do que virá. Mas o futuro, o futuro não existe. Ele não é um fato, simplesmente, porque não aconteceu. Dizem que o futuro é o algo ali na frente. Mas na verdade sabe onde ele está? Apenas aqui dentro. Não é la e sim aqui e não, não é porque está “aqui” que ele exista. Quem garante que a vida vai nos levar pra onde queremos ir? Quem garante que o que você espera de fato vai acontecer? Não meu amigo, a vida não nos dá garantias de nada e muito menos o futuro até porque o futuro não existe. O que existe é esse instante agora e tudo o que idealizo dentro desse meu presente. E meus ideais... Meus ideais são tão inexistentes quanto o futuro! Existem apenas na minha cabeça.

Temos essa dificuldade do instante. O pensamento vive vagando e nos transportando para outros lugares constantemente. No ônibus estou no trabalho, no trabalho estou em casa, em casa estou na faculdade, na faculdade estou nas férias, nas férias estou...não, nas férias eu não estou.

É o que vejo enquanto ando, enquanto passo por aqui, uma maioria ancorada no depois, no tempo vindouro, no inexistente. É como se cada um se lançasse à vida, sofrendo a ânsia do futuro e o tédio do presente. Evitam olhar o que tem agora. Por quê? Será mesmo o tédio? Deixam para melhorar as relações, o que são e a própria vida quando terminarem a faculdade; quando conseguirem um bom emprego; a promoção; uma esposa; aquele carro; aquela casa; quando...quando...quando...sempre depois. Fazem promessas para o agora baseados no que virá, se projetam para um futuro mágico onde tudo fica resolvido e solucionado.. São tão loucos quanto eu se formos pensar bem.

Quem de nós ainda repara no mundo que nos cerca? Pois é. Não sou imediatista, esse é o outro extremo. O imediatismo é recheado dessa gente que já não consegue esperar, ter paciência, que não entendem a lógica da colheita que é tão preciosa, onde temos uma semente, temos a terra, precisamos preparar o terreno, plantar, regar, cuidar, podar, acompanhar o crescimento. Não entendem a vida como um processo. O imediatismo não pensa em processo, na verdade penso que no imediatismo não há nem sequer o pensamento. Sabe de quem é a culpa? Não, a culpa não é das estrelas, e não vou responder a essa pergunta. Ela paira no ar esperando ser pega. Em outra Terça a gente fala mais sobre isso...

Ellion Montino


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Cidade do Vale

Punida por uma beleza majestosa
Uma simples cidade nasce
E a beleza, que a cerca, renasce a todo amanhecer

Um amanhecer melodioso
Que não ofusca a perfeição natural
Apenas dá um toque inicial que é acrescentado até o final

Uma cidade inquieta manipulada por seus anfitriões
Cada avenida nunca deserta
Sempre aglomerada por carros e pelas multidões

E pra quem pensa que só a natureza se destaca
Surpreende-se com a ação humana
Que de pedra em pedra e do puro nada
Constrói-se uma beleza que a todos encanta

Do que é mais natural provém o mantimento
Numa terra em que tudo convém
Planta-se hoje, colhe-se amanhã
E tudo sustém

E o sol forte da manhã que era ardente e em excesso
Evolui-se mais tarde com total sucesso
Num anoitecer fresquinho que nos moradores é expresso

A Cidade do Vale, o vale da cidade
Não é o que se nota
Porque o que importa
É que vale

(Poema referente à cidade de Cochabamba – BO)

Diego Luque
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Depois da tempestade

"Um coração não é um lar se não estiver junto daquele com quem se passou a tempestade".

Ele sempre me dizia isso, e eu acho que nunca entendi, até o dia que me deparei com um coração completamente sozinho depois da última tempestade. 

As coisas sempre foram equilibradas entre nós. As brigas aconteciam, mas os momentos felizes e o amor eram superiores a qualquer coisa. Era como um círculo sem fim. Eu sempre voltaria para você e você pra mim, desde o primeiro dia. 

Você passava por aquela pequena loja de CDs no final da rua, e resolveu entrar para verificar se o novo álbum da sua banda favorita tinha chegado, mesmo sabendo que aquela loja não tinha coisas novas. Sua camisa xadrez azul e sua touca cinza me chamaram atenção, mas sua mente foi mais rápida que a minha. 

Nós trocamos algumas poucas palavras, e elas se tornaram frequentes com o passar dos dias, que depois se tornaram encontros, e em algum momento nesse meio tempo eu havia entregado meu coração a você. E ele tinha sido muito bem cuidado por você até ontem, o dia de maior ventania na cidade.

Do lado de fora parecia que havia começado uma guerra. Mas dentro, era como se ela estivesse acabado. Tudo estava em pedaços, e infelizmente você foi embora sem ajudar a reconstruir os pedaços. 

A carta que você deixou não foi suficiente para me fazer entender o que aconteceu, mas algum dia eu vou entender o que aconteceu durante a tempestade. É difícil explicar ou compreender o que nem eu entendi. Quem sabe um dia eu consiga juntar os pedaços e escrever mais uma vez sobre isso, mas por enquanto, eu deixo a minha pequena confusão. 

Andressa Oliveira
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E tudo deu errado e eu acho que não tenho um plano B

Eu não sei como vou contar minha vida, minha história quando eu tiver 53 anos. Não sei com que olhar irei ver meu passado que acontece agora. Não sei que narrativas farei das frustrações que molham meus olhos nesse momento e apagam alguns sonhos. Não sei com que entonação de voz contarei aos novos amigos, agregados familiares e ao público, em 2041, sobre os caminhos que esses pés percorrem agora. Não sei com que alegria ou pesar irei partilhar com os velhos amigos sobre a importância, ou não, dos fatos presentes no dia de hoje.

Eu não tenho a menor idéia do que fluirá da minha boca e das minhas lembranças quando eu tiver meus 53 anos.

Já fui alguém de muitas certezas e convicções. Eu já fui um grande proclamador de verdades absolutas. Hoje não me sobram muitas coisas desse tipo. Não sei se as perdi ou se as deixei no meio do caminho. Acho que os dois. Já tive planos em que tive a certeza que iriam se concretizar. Não concretizaram. Já tive sonhos que tive a certeza que continuariam existindo depois de acordado. Sumiram quando abri os olhos. Já tive projetos que iriam revolucionar o mundo. Ninguém chegou a conhecer. Já tive anotações brilhantes, poéticas, inspiradoras. Molharam e não soube escrever de novo, do mesmo jeito, com aquelas palavras. Já tive visões arrebatadoras que poderiam iluminar os olhos de muitas pessoas. Ninguém viu e eu também deixei de ver.  Já trilhei caminhos sabendo exatamente onde ia dar. Não cheguei onde pensei que chegaria, me perdi e não voltei. Já soube exatamente como seria minha vida aos 24 anos e ela não se parece com nada do que eu sabia. Já tive discursos certeiros, promessas feitas de olhos fechados e palavra de homem de palavra. Me arrependi voltando atrás, quebrei as promessas e junto se foram alguns vínculos e menti perdendo a credibilidade. Já olhei o céu sabendo exatamente o que pensar dele e hoje me sobram muitas estrelas e galáxias e poucos conceitos e teorias. Já olhei as pessoas sabendo exatamente o que identificar de cada uma delas, como se eu possuísse algum raio x de alma, e todas me surpreenderam me fazendo viver com o inesperado e o improviso. Homens que pareciam de alma pura com presas afiadas, homens que pareciam ter presas afiadas com a alma pura. E eu já fui desses dois tipos de homens e hoje eu estou mais para a opinião de que conceituar isso também é outra perda de tempo, afinal tudo muda o tempo todo, inclusive as pessoas. Já escrevi coisas as considerando arrematadoras e hoje sinto vergonha daqueles rabiscos e procuro pensar que não fui eu que escrevi aquilo. Esse texto pode ser um deles num futuro próximo, mas eu não sei. Eu não sei nada e isso é horripilante. Olhar pra trás e perceber que todas as coisas que eram certas deixaram de ser, e que todas as convicções não sobreviveram ao tempo, à realidade e a vida também não é muito confortável.

E agora estou aqui, diante de outra decepção que será um tipo de marco, de estaca. Me sinto frente à uma bifurcação tendo minha vida à um triz de mudar drasticamente de novo e eu continuo sem fazer idéia de como vou contar minha história quando eu tiver meus 53 anos. Talvez isso que agora trava minha garganta seja o motivo de dizer futuramente: ‘e houve aquilo, e graças a Deus, porque por causa disso minha vida foi para onde deveria ir’ e então todos aplaudem e tiram suas lições de como vencer as frustrações e eu me sinto ótimo por ser um mártir das pancadas da vida, ou isso que acontece agora pode ser uma das causas de me fazer rastejar procurando por algum argumento, por alguma força que me faça dizer que tudo tem um propósito, e que mesmo rastejando eu devo dar graças, fazendo da gota salgada do rosto um tipo de bebida tônica, mesmo duvidando de tudo, e que nada virá disso, nenhum tipo de flor no meio do asfalto, virando apenas uma lembrança ruim que tentamos esquecer mas que não vai embora.

Não sei, acho que é isso que se sente quando nos sentimos perdidos... o choque com a nossa pura ignorância frente à vida e o que vem dela. A gente tenta dizer ‘dane-se’, mas é só da boca pra fora. Dói quando uma chama se apaga e dor a gente não consegue ignorar.

Vejo alguns velhos rindo e me dizendo ‘pare de besteira garoto, você é muito jovem’. E eu vejo outros velhos me ouvindo e dizendo ‘eu tenho 62 e estou igual a você, garoto’, e vejo aqueles velhos dizendo a esses velhos que ainda lhes resta tempo e então chego a conclusão de que talvez a maturidade não tenha haver com a idade e sim com as certezas que você carrega e com o fato de você se sentir pronto e feito. Então talvez quando eu tiver 53 anos eu continue novo e despreparado. E vão me dizer, depois de lerem isso: “o que houve? Isso é muito pessimista! Vou lhe emprestar um livro ótimo” e eu vou querer xingá-los e mandá-los aos quintos dos infernos, mas irei sorrir e agradecer por tamanho altruísmo.

O problema é que eu tinha um plano A e deu merda. Na verdade eu já tive muitos planos com a letra A.

‘A’ foi a letra do nome da minha primeira paixão. Aline. Com ela eu aprendi a entender o Alfalfa, dos batutinhas, foi o primeiro filme, de muitos que viriam depois, em que tive minha primeira identificação. E agora não sei por que estou falando disso e também não quero apagar.

        Mulheres, elas estão por toda parte, inclusive em desabafos e textos que não tenham nenhuma relação com elas.

Talvez o problema seja então a letra dos meus planos. Chega de A. Agora minha vida entra no plano B. Também já tive um amor de letra B, mas não quero falar sobre isso. Chega de planos. Chega de letras para os planos. Chega de adivinhar ou prever o que virá. A questão é que o alfabeto não irá me dizer agora o que contar quando eu tiver os meus 53 anos. O que me resta então é essa garrafa de vinho, um brinde a imprevisibilidade da vida, um sorriso desgastado às perdas e desilusões, uma mesa com o notebook, os sapatos tirados aliviando os pés cansados de uma trilha em volta de não sei o quê, e a esperança que também se cansa de esperar e que também gosta de beber.


Um brinde aos 53 anos que ainda não chegaram.


Ellion Montino
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Gramática

Verbalizar um sentimento necessita um saber
Finja que sou o gramático e o meu verbo é você

A maneira como a conjugo não respeita um tempo
Pode ser presente ou futuro, isso sou eu que invento

Bom, pode até ser futuro se esse for perto
Mas prefiro o presente, pois assim é mais certo

E quanto à pessoa prefiro usar a primeira do plural
Na verdade, se usar eu, você, nós, é tudo igual

Eu sou o sujeito e você é meu predicado
Porque o que sou não sei direito, mas você traz o significado

Mas se realmente existe um verbo que esse seja de ligação
Pois se ligar o sujeito ao predicado me liga ao seu coração

Agora percebo que o sentimento pode se verbalizar
Ao mesmo tempo vem a dúvida: o meu amor é mesmo para amar?

Diego Luque
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DO TESTEMUNHO

Vou lhes contar minha história, senhores. Por favor, parem os risinhos.

Falo sério e com sobriedade, mas nem sempre foi assim. Hoje falo de um outro patamar, de um outro estado de espírito. Fui agraciado, alcançado por uma força maior. Ouço vossos rumores pelos becos, vejo seus olhares desconfiados. Compreendo-vos. Sei bem quem fui, ou melhor, acho que trago uma vaga lembrança.

Eu era um perdido, sujo, maltrapilho, bêbado. Perturbava-lhes a paz, o sono. Cheguei a levar bofetadas na cara por isso. É, eu não era muito bem visto, muito bem-vindo, querido, desejado, enfim. Eu lhes entendo. Mas que me importavam essas coisas? Que me importava à vida, senhores? Acreditavam mesmo que essas coisas me doíam? A minha dor era outra. A minha dor não era na carne, era na alma. Nenhum rasgo na pele ardia mais do que os meus latejos internos. Nenhum delírio causado por substancias lícitas e ilícitas me tiravam mais dos eixos do que a vontade da morte.

Vejo que prendi vossa atenção. O drama, a tragédia e a dor lhes causam curiosidade? Interesse? Vocês são criaturas interessantíssimas, senhores.

Não compreendem minha mudança? Não acreditam nela? Pois vejam, vocês estão diante de um milagre! O homem não está de todo perdido. Eu tive jeito. Fui liberto, mas estou longe de me ver livre. Já explico.

Calma. Porque vocês são tão ansiosos? Vou responder todas as questões. Quero que brindem comigo e por isso lhes dou minha história aos goles.

Naquele tempo nenhum trajeto, caminho ou estrada me fazia sentido, me davam alguma direção. A falta de norte e de destino nos tornam vagantes sem rumo, meus caros. Não saber aonde se quer chegar pode ser um perigo sutil à vida. Estampo na vossa cara minha condição, e não, não me envergonho dela. Assumo meus poços com heroísmo, eram meu patrimônio, algo que poderia chamar de meu, um bem muito bem apropriado por sinal, um lote que se mantinha longe de seus impostos, mas que não deixava de me cobrar o aluguel e o preço eram meus dias, meus sonhos, minhas vontades, meus desejos. Nunca atrasei um, senhores. Saudava minhas dívidas todas em dia, até que não pude mais pagar.

Sabem o que acontece nessas horas? Esse tipo de aluguel atrasa e os juros são altos, e dos meus olhos saíram então todo brilho. Já não tinha sonhos, desejos, vontades, brilho nos olhos. Não me restava mais nada, apenas à vida que insistia correr em mim, mesmo que arrastada e essa virou o meu penhor, com ela deixaria tudo pago.

Adoro vossa expressão de espanto. Ah, como gostaria que vocês vissem as vossas caras!

Iria quitar minha divida. Sou um homem honrado e não gosto de dever nada para ninguém, muito menos para mim. Iria suicidar-me.

Naquele dia levantei tarde, queria me conceder pelo menos alguns prazeres casuais antes de pedir para fechar a conta. Último banho quente, último pão, última conversa, última garrafa, última trepada, mal sucedida, confesso, mas...nem todo fim é completo e perfeito em si mesmo!

Saí cambaleando vos cumprimentando pelas ruas. Vossas zombarias foram meu último alento, minhas últimas palavras de conforto, os últimos gestos de carinho.

Meu destino não poderia ser outro se não a ponte e era para lá que eu me dirigia.

Foi ali, no ápice do latejo e da vergonha, na eminência da euforia e do fracasso, da ansiedade e do desejo mórbido que vi, enfim, a luz que me retirava das trevas que me tragavam.

Ali fui arrebatado de toda perdição, senhores. Minha salvação chegava para mudar completamente minha vida e meu rumo.

Minha salvação e redenção era ela cruzando meu caminho naquele instante. Olhos escuros, cabelo repartido ao meio, distinta, única. Passou por mim, evidentemente nem me notou e obviamente nem fazia idéia que o seu simples ato de caminhar naquela calçada, naquela noite, naquele momento, fez bombear mais forte meu coração distímico, jorrando mais fluxo de sangue em minhas veias e tirando de minha cabeça qualquer propósito de fim. Aliás, o quê mesmo eu estava fazendo ali? Claro, fui conduzido por uma força maior apenas para vê-la.

Acompanhei todo seu trajeto com meus olhos e com o movimento da minha cabeça. Em mim se resgatavam, naquele momento, os sonhos, as vontades e os desejos. Quem precisa de reformadores protestantes, de noventa e cinco teses, quando se têm um anjo cruzando seu caminho, senhores?

Eu não pularia mais. Naquele momento eu encontrava minha liberdade novamente e nela eu encontrava outro tipo de abismo para saltar e eu saltaria com gosto. Foi o que fiz, saltei. E no salto ela desfilava como deusa.

Ela me livrou de todo mal que eu pleiteava causar a mim mesmo e me fez livre para me prender a ela. Que prisão abençoada. “Benditas são vossas grades, madame!”  eu repetiria isso para mim por muito tempo, tinha certeza.

Eu fui salvo, senhores!

Minha vida mudou. Sei que vocês se recusam a acreditar, mas pessoas definem pessoas. Ela nem sequer me olhou e mesmo assim me fazia sentir uma necessidade de mudança quase que instantânea. Essa sensação e vontade se assemelhavam a um sentimento de desespero, um sentimento de urgência. Eu precisaria ser melhor para no mínimo saber seu nome. E ali na ponte eu morri para ser outro de mim mesmo.

Quem eu era? De onde eu vim? Nada disso importava mais.

Não tenho passado depois que a vi passar. Eu começo quando ela surge, ponto final.

E não me venham com seus santos, senhores!

Entre vós está minha redentora. Sei que nesse momento ela me ouve e me vê. Sei também que ela não faz idéia de que é dela que falo. Como saberia? Não fomos devidamente apresentados....

.....


Ele falava alto e em público numa espécie de praça. Ninguém lhe dava ouvidos. Ninguém prestava atenção. O consideravam louco e bêbado. Erguendo um copo vazio, fez um brinde e bebeu, deliciosamente, o vácuo, sorrindo com gosto depois de um belo gole.


Ellion Montino
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me trai comigo

Não havia mais nada que eu pudesse fazer. O tipo de controle que eu gosto já não estava na minha mão. O problema nessas horas é que você acredita que a resolução depende só de você e era isso que me irritava, não ver opções ou caminhos.

Eu não sabia mais o que ela precisava. Ela ficava calada sem dizer ou explicar.

Eu perguntava se eu havia deixado faltar algo, qualquer coisa, ela dizia “agora não, Ellion” e teimava em continuar procurando coisas que a alimentassem fora de mim. Não havia mais suficiência em nós.

Tudo causava tédio nela, meus livros, minhas músicas, os filmes, seriados, textos, saídas. As conversas se tornaram blasés, superficiais e eu não entendia como isso era possível.  Éramos grandes juntos.  O mundo era tão pequeno diante das coisas que sonhávamos. Havia algo na nossa trama que nunca soubemos explicar e nem perdíamos tempo com isso, apenas éramos e isso bastava. Ela possuía um charme fatal. Havia desejo, troca, havia espaço pra nos perdemos no nosso emaranhado. Havia o receio do tempo tão curto e fugaz. Havia planos e rabiscos para não desperdiçarmos nada que fluísse de nós.

“será que eu e você podemos fazer alguma coisa para aceitar que a vida seja tão breve?”

Era o que costumávamos nos perguntar.

Sinceramente, não sei como chegamos aonde chegamos. Nossas asas eram de cera, talvez, e agora estávamos em queda livre.

Amigos, nessas horas, geralmente dão os piores conselhos. Os que mais predominaram diziam que eu precisava achar outra que me completasse, outra que me devolvesse o que achavam que perdi. Eu me recusava a aceitar as coisas simplesmente dessa forma. Recusava-me a trocá-la, a romper, a deixá-la ir. Não conseguia pensar nessa possibilidade, aliás, essa nem era uma possibilidade.

Cheguei a ouvi-la dizer que sou insuportável e que ela só precisava de um meio para fugir e que nos deixasse vivos e inteiros. Uma chance e ela o faria sem titubear. Ela só queria um jeito fácil de acabar com as coisas para cada um seguir adiante. Eu dava risada. Explicava que era impossível. Ela se frustrava, debochava e dizia que as coisas iriam continuar como estavam, que dela não emanaria esforço algum por nós dois e que ela não sentia nada a me ver tentando, insistindo.

Comecei a incentivar sua busca e sua quebra. Era como se ela estivesse diante de um precipício sem saber se pulava, então eu empurrei e pulei para cairmos juntos.

“Se você falhar, volta pra casa, já tanto faz, vai me encontrar sorrindo pra te enfeitar. Se nada funcionar, volta pra casa... vai me encontrar sorrindo pra te estancar!”

Percebendo-se livre, ela parou de me culpar. Assumiu seus anseios e foi!

Uma vez ela chegou chorando, sentindo-se perdida, sem saber quem era, olhos vazios. Pediu para eu não falar nada. A lágrima era quente e escorria com freqüência. Levantei, peguei uma folha de um bloquinho, escrevi e grudei na geladeira. Decretei o que ela faria:

“ME TRAI COMIGO!”


Ela sorriu, enxugou o rosto e disse “tudo bem, eu paro e volto”. Não dissemos mais nada, mas sentimos um alívio que há tempos não sentíamos. Dormimos juntos. Acordamos juntos. Permanecemos juntos. Eu e a minha Alma.

Ellion M.
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O título é uma surpresa

Todo o dia que acordamos nos deparamos com surpresas que às vezes nós mesmos as preparamos. Surpresas do tipo: SUUUURPRESAA!

Ser surpreendido faz da surpresa um presente que surpreende mesmo se esse presente estiver no futuro. Toda vez que me lembro das surpresas que já vivi eu consigo imaginar das surpresas que poderão vir em um dia surpreendente. Quem imaginaria numa segunda-feira que as coisas de terça poderiam nos surpreender numa quarta sendo a quinta coisa mais importante para nos surpreender. Escrever esse texto, por exemplo, é uma surpresa pra mim.

A surpresa às vezes está dentro de uma caixa misteriosa, muitas vezes a surpresa está atrás da porta em que entraremos, ela pode estar numa ligação, num amor. Como surpresa é surpresa ela está onde ela quiser sem ninguém vê-la.  Imaginar que hoje eu posso estar triste e daqui a minutos surpreendentemente uma mensagem pode me deixar feliz. Quem fez isso? A surpresa, é claro! Essa dona surpresa manda na nossa vida, acho que até ela fica surpresa com o que faz.

Hoje eu durmo e amanhã eu acordo. Uoooow! Surpresa, cara! Alguém me deu mais um dia. E como diria o sábio Joseph Climber: “a vida é uma caixinha de surpresas”. Nós temos várias caixinhas espalhadas por aí esperando o momento certo de serem encontradas. Só um parêntese: (isso não é um texto de autoajuda). É gostoso ser surpreendido! Nesse mesmo momento em que estava escrevendo, uma pessoa me disse que eu sou um amor. Que surpresa maravilhosa!

Surpresas vão, surpresas vêm e sempre são surpresas!E porque resolvi escrever sobre surpresa hoje? Porque resolvi escrever como Diego Luque mesmo? SURPRESA!


Diego Luque
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A toa

Cadê você que disse que iria ficar?
Cadê você que eu to querendo olhar?
Eu disse “não” querendo dizer “sim”.
Eu disse “talvez” sabendo que não seria assim.
Mas com você é difícil negar.
Não há lógica no mundo que possa disfarçar.

Porque se você me chamar eu vou, eu vou.
To com saudade de te encontrar, a toa.
E se alguém disser que eu não estou.
Saiba que eu estou a te procurar, a toa.

Hoje eu achei que você estava aqui.
Mas acordei e vi que era um sonho.
A sensação mais estranha que eu vivi.
E eu nem consigo explicar como.

Mas se você me chamar eu vou, eu vou.
To com saudade de te encontrar, a toa.
E se alguém disser que eu não estou.
Saiba que eu estou a te procurar, a toa.

Andressa Oliveira
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Sobre os dias que você sabe que não deveria ter levantado da cama

Tem dias que você sai de casa para ser contrariado. Você planeja e não dá certo. Programa a agenda e perde os horários tendo que modificar todos os compromissos. Precisa urgente do ônibus e não consegue entrar porque está lotado. Quando finalmente senta na cadeira de onde trabalha e decide focar no trabalho, pra esquecer a manhã que já começou ótima, aparecem erros que você não sabe de onde vieram cometidos não se sabe por quem, mas que precisam de alguém que pague por eles e obviamente o escolhido é você. Pois é, hoje foi assim.

A primeira coisa que passa na sua cabeça é: Ainda não é nem 9h da manhã e eu não to querendo pagar pra ver o resto do dia. E sobre esse dia em específico eu posso dizer que paguei e me custou 50 centavos.

Não preciso nem descrever como foi o restante da manha e da tarde. Basta você pensar em todas as coisas possíveis e imagináveis pra ferrar com seu dia e depositar na minha conta. Café derramado na roupa, privada entupida, cartão bloqueado sem motivo e uma fila enorme pra pagar o almoço e você só com uma moeda no bolso, reunião com sua equipe e o índice de desenvolvimento ser baixo e você se sentir o responsável por aquilo, elevador parado aguardando reabastecimento de energia... Celular caindo e trincando a tela, e o famoso clichê do carro que passa numa possa e o fim você já sabe.

No final do expediente decidi ir para casa. Do jeito que estava a coisa era bem provável eu ser abduzido, atingido por um meteoro ou lixo espacial, ter dois raios caindo no mesmo lugar mais de 12 vezes... ir para casa era o mais seguro.

Na dobra da esquina, com o fone na mão e de cabeça baixa, pra ver se a vida não me reconhecia pelas ruas e continuar me aloprando, um cara passou por mim. Ele passou e senti que parou. Pensei: vida, sua desgraçada. Então o cara voltou e parou na minha frente. Era desses malucos da rua e pensei que pelo dia que estava levando esse era o final mais óbvio e eu pensando em aliens e meteoros. Sou mesmo um ingênuo.

Tirei os fones do ouvido. Ele pedia um trocado, me olhava com olhos cansados de quem ainda tenta se esforçar ao máximo pra convencer o outro. Meti a mão no bolso e peguei a única moeda que tinha ali. Com uma mão ele segurou meu braço e com a outra ele segurou a moeda. Seu semblante havia ficado sério e agora era um outro tipo de olhar que ele me dirigia. Fiquei quieto e assustado, do jeito que a gente fica quando se pode esperar por qualquer coisa a qualquer momento. Então ele começa a dizer:

“pessoas vao e vem, é a teoria mais absoluta que vivo...

A vida é uma mulher de vermelho que deixa surpresas no caminho...ora bons, ora ruins.

A estrada nem sempre esteve lisa e completamente asfaltada...

No escuro também achamos outros tateando...

A luz vem sempre no fim do túnel, e às vezes é o contrário, no final da luz o túnel nos engole, então é bom sempre ter uma lanterna...

No silêncio ouvimos o eco dos próprios gritos...

A inquietude nos movimentando, mesmo que num leve aceno a distância...

A busca nunca será finita...

A bússola nem sempre mostra o X do mapa...”

Ele pegou a moeda e saiu correndo. Eu fiquei parado por uns instantes tentando absorver aquilo. Foi a única vez que não me senti dando esmola ao dar uma moeda. Eu havia pago por conselhos? Tudo bem, pensei, 50 centavos investidos em palavras.

Ah, e se você acha que isso faz a história terminar com um toque de mágica do tipo que vemos nos desenhos da Disney, onde meu dia então se transforma e todos ficam felizes você está enganado e anda assistindo muitos filmes de Hoolywood.

Cheguei em casa e descobri que a chave ficou na gaveta do escritório e agora eu não tinha nem 50 centavos pra tomar uma ardente na padoca.

Ellion Montino
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Palavras Cruzadas

Às vezes a noite me derruba numa fração de segundos como se tudo que eu tivesse vivido até ali simplesmente se apagasse para que a minha imaginação começasse a funcionar. Mas antes que o sonho venha, durante todo o dia, eu ganho meus motivos pra sonhar. Ouvir sua voz no final da noite é muito mais acolhedor do que entrar em uma casa onde todos os lugares te acolhem. Ouvir a sua voz me traz uma nova perspectiva de sono, ouvir tua voz é saber que os meus sonhos, por mais que eu não os controle, serão mais gostosos de sonhar.

Você chegou perto de mim com um enigma pra resolver, um enigma complicadíssimo – capa de travesseiro com seis letras? – e a resposta tem tudo a ver com os meus sonhos. Você cruzou na minha frente com umas palavras cruzadas e cruzou todos os meus pensamentos. Eu sempre olhei pra você, mas só olhava pra você. Hoje, eu não paro de olhar pra você. Está tudo diferente. Quanto mais eu tento entender o porquê desse cruzamento você vem com outro enigma – arrumadeira de quartos com nove letras? – e cada vez mais você vai me complicando com essas charadas.

Pra mim é complicado ver essas palavras se cruzando, e o mais difícil de tudo é que estou no meio de um cruzamento tentando resolver suas palavras cruzadas. E na minha cabeça, a única coisa que não saia era “o que eu preciso com quatro letras?”. O universo tem conspirado em nosso favor, todas as coisas têm nos feito favores e nós sempre dizendo obrigado a elas. Obrigado vida por nos dar essa nova charada! Você me fez apaixonar pelo jogo das palavras e você me faz jogar as palavras nesse jogo. Tudo que eu jogo me diz – o que eu digo pra ela com sei lá quantas letras? – essa é difícil. E cada vez mais meus pensamentos vão se cruzando e se formando, reformando, deformando, informando...

A minha vida estava toda embaralhada, os cruzamentos todos engarrafados, mas você vinha com uma regrinha de três e resolvia tudo. E mais uma vez perguntava – doce servido após as refeições? – e era assim. Você não mora aqui, mas como tudo está se cruzando daqui a pouco você passa por aqui só que eu te prendo no meu enigma e não te deixo sair. Entrou nas minhas palavras vai ter que responder os meus enigmas. São fáceis! Todas as respostas são: eu e você!

As palavras cruzadas me marcaram muito! Violação da lei com cinco letras? Crime. Desprovido de roupas com duas letras? Nu. Sepultura? Cova. Satélite natural da terra? Lua. Estrangular? Enforcar. Insistência exagerada; birra? Teimosia. Encaixe do parafuso? Porca. Você gosta de mim? Sim! E a gente vai respondendo... e juntos as respostas vem mais depressa.


Você não veio pra desengarrafar os meus cruzamentos, você veio e solucionou muitos deles, mas têm outros ali prontos pra serem resolvidos e eu estou esperando você. Por que depois que você resolveu a minha primeira palavra cruzada comigo eu não quero mais resolvê-la sem você.

Diego Luque
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Valer a pena (ou não)

Era tarde da noite, e eu ainda estava perdida em um aeroporto desconhecido. A bateria do celular estava se esgotando, e a fila do táxi parecia interminável, mas algo dizia que aquilo valeria a pena. Ou não.

Eu não o conhecia, mas ao ir de encontro aos seus olhos foi como se ele sempre estivesse presente na minha vida. Eu não sabia seu nome, mas sabia que algum tempo na minha mente ele permaneceria.

Um dia, dois dias, três dias. Deus! Me dá algum sinal.

O cavalheirismo era interminável, e o grande sorriso também. “Deve estar apenas sendo educado”, minha mente dizia. Mas uma pequena voz falava: espera.

Eu não gosto muito de esperar. Esperar mensagem, esperar telefonema, esperar e-mail, esperar, esperar, esperar. Eu gosto das coisas claras, mas dessa vez eu não me incomodei.

O quarto dia chegou, e era hora de dizer adeus, e voltar aonde tudo começou.

Era logo cedo, e eu estava prestes a me perder em outro aeroporto desconhecido. A bateria do celular estava completa, e dessa vez, não havia táxi nenhum. Com um longo abraço, e um cafuné eu recebi um “até logo”, e foi quando eu percebi, que no final, valeu a pena. Ou não. 

Andressa Oliveira
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O Vácuo

Eram 2h da manhã. O sono não havia chegado, ainda. Talvez estivesse em algum bar ou voltando de carona com alguma amiga que tem mania de ficar até o fim de qualquer programação proposta.

Bebidas, música, shows, dança, enfim. Seja qual for o motivo, o sono permanecia perambulando na rua e nada de ligar, dando qualquer sinal de vida.

Fico preocupado com essas saídas que o sono costuma dar agora. Vivo ouvindo que o mundo está perigoso, que as cidades não são mais como antes. Então enquanto ele não chega, eu não durmo. Não sei o que há de tão interessante lá fora para ele ter pego o costume de fazer isso com frequência.

Ja fazem algumas semanas. Ou talvez o problema seja aqui dentro e ele sai para desafogar. Acho isso um puta egoismo, afinal, como fica minha tranquilidade nessas horas tão altas?

Tem sido assim ultimamente: Vejo ele se afastar e então sumir. Não diz pra onde vai, com quem vai e muito menos que horas pretende voltar.

Eu tento dormir, mas não consigo. Fico imaginando por onde ele anda, porque não volta logo, porque tem feito isso, o que há de errado por aqui? Coisas desse tipo. Preocupo-me, de verdade. Ele, parece que não. Quando chega não diz nada. Nenhuma justificativa. Nenhuma história incrível. Nenhuma confissão engasgada. Nada. Chega em silêncio e apenas diz que está tarde e que é bom dormir, por causa do dia que começa cedo.

Nossa relação não anda muito bem. Alguns dizem que é fase. Outros, que é falta de diálogo.

Uma noite dessas, enquanto ele não chegava, estava andando pela casa. No DVD rodava Los Hermanos. Dirigi-me ao banheiro. Olhei para o espelho e da sala ouvi a letra que dizia:

"Sei que a tua solidão me dói!"

Repeti a frase para mim, me olhando no espelho. Então percebi o sono chegando. Tarde. Bem tarde. Depois só lembro de ouvir o despertador as 5h30.

Tá complicado essa fase que estamos passando. E nem o silêncio anda falando comigo. Não sei se ando fazendo algo errado ou se foi algo que eu disse. Quando pergunto, não sabem responder.

E tudo fica assim, meio suspenso quando o sono não volta e enquanto não tenho respostas para as perguntas que faço.

Ellion Montino
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Amor Em Versos

No íntimo do coração existem palavras ao léu
E a necessidade de combiná-las implora à alma
E no rebuliço interior clamando ao céu
Suplica o amor sonhado em calma

O pacto do amor com a tal poesia
Sutiliza o ápice do sentimento ousado
E transforma a emoção que é só regalia
Na lástima de um coração enamorado

Nos versos escritos o amor já está gravado
E de uma forma tão fiel que o visível não pode apagar
E o traço invisível que ficou abandonado
Delineia com carinho a face do amar

Não sei se corro atrás de versos e conquisto alguém
Ou se conquisto alguém e deixo o amor fluir em versos
Pois no amor que flui de um lugar além
Aflora o início do beijo antes incerto

E se o tocar dos lábios é o que tem de mais concreto
Confio na utopia que me faz sonhador
Seja o beijo um sonho ou um decreto
É a esperança vindoura do complexo amor


Diego Luque
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Minha Mente e Você

O dia amanheceu tudo em seu lugar
Mas meu pensamento continua a te procurar 
Eu sei, não é normal o que eu estou sentindo 
O que eu faço pra te ter aqui comigo?

Então me diz por que eu penso tanto em você? 
Quando o mundo inteiro fala para eu te esquecer. 
É impossível mas eu gosto de acreditar, 
Que um dia por aí eu vou te encontrar.

A noite veio e continua a me torturar 
Nos meus sonhos eu só vejo o seu olhar 
O meu coração diz que sim e a cabeça diz que não 
Tudo isso acaba em mais uma canção

Então me diz por que eu penso tanto em você? 
Quando o mundo inteiro fala para eu te esquecer. 
É impossível mas eu gosto de poder sonhar, 
Que um dia por aí eu vou te encontrar.

Andressa Oliveira
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As chances que ganhamos

Ver um milagre de perto não é uma tarefa tão fácil quanto parece, Entre todas as pessoas do mundo, você é o escolhido, pra naquela noite, naquele farol, presenciar, e ser um milagre. 
O barulho é tanto, que fez silêncio. Os segundos são rápidos o suficiente pra nem parecer que aconteceu, são infinitos pra tanto sentimento junto..
Tudo e todos que ficam em sua mente quando parece que não vai ter saída, são os mesmos que te fazem achar força pra conseguir logo um jeito de sair..
E então, dessa forma eu redescobri: isso é amor!
O amor incomparável de Deus por nós. O amor que nos guia, ou aquele amor que um dia eu pensei que era bobagem, coisa que nem precisava mais sentir, mas acordei pra verdade mais linda que pode existir: é o amor que nos move, o resto é nada!
Decidi deixar todo o resto pra lá, e me lembrar de que tudo que enxergo é lindo, mas não existe nada mais importante que as coisas invisíveis, nada mais forte do que as mãos que não enxergo mas me salvam, nada melhor do que ouvir seu coração bater perto do meu como quem diz: 'não fique longe nunca mais..
' O amor faz milagres, o amor é um milagre, o resto é nada!

Thaynara Romero
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Os Substitutos

"Sento numa beira qualquer daquele velho e mesmo ponto de ônibus, com aquele ar de não estar onde se está. Acho que você já sentiu isso.
Um alarme de loja apita. Um carro acaba de fechar um outro. Buzinas. Xingamentos. Dedo do meio. Um casal discute em pé no meio do nada. O pipoqueiro acaba de ganhar mais dois reais. O guarda da guarita cochila. Nos vidros dos ônibus que passam, rostos sem expressão olham pra fora, mas enxergam outras coisas, coisas que eu não enxergo.
A noite está boa, fresca, vazia, cheia, entediante.
Levanto e parto para outra caminhada. Parece que o corpo se recusa a ficar inerte por aqui e vai meio sem rumo, mas sabendo que precisará parar em um outro velho e mesmo ponto de ônibus. Ando e digito. Ando teclando, é um novo jeito de andar hoje em dia, e eu que já fui feliz por andar de um pé só.
Parece que meus passos se conduzem sós e os dedos substituem a boca, falando por teclas para olhos que substituem ouvidos. Estamos na era dos substitutos. Na era em que coisas que eram pra ter uma função começam a aderir a outras funções. Não, não reclamo e nem condeno, apenas acho interessante. Nas conversas de chat costumo rir quando leio “pode falar?” “deixa eu lhe contar uma coisa” desculpa, acho que você não está afim de me ouvir desabafando, né” e tudo isso fazemos de boca fechada, sentados, ouvindo qualquer coisa menos a voz da pessoa do outro lado, sentindo qualquer coisa menos o calor humano na sua frente, olhando qualquer coisas menos um par de olhos, que em conversas feitas na realidade também tendem a dizer muitas coisas. Acho tudo isso muito divertido. Estranho. Quer dizer, pra mim é ótimo, me poupa o trabalho de disfarçar meus acanhamentos, minha vermelhidão facial, minha dificuldade em articular palavras, meu jeito patético de um cara retraído. Já falei que amo a tecnologia? Óh tecnologia, bendita sois vós entre pessoas da minha ralé, amém!
Aqui no mundo real, na rua, as coisas são diferentes. Aqui não tenho como disfarçar para mim minhas crises. Não tenho abas por onde fugir. Não consigo mandar meus olhos ficarem quietos e pararem de observar o mundo a minha volta. Não consigo parar meus pensamentos e minha consciência que me apontam minhas limitações interpessoais e todas minhas dificuldades reais. Aqui não consigo fazer metade do que sou capaz no mundo virtual. Mas também não reclamo. Eu amo minhas crises. Temos um certo xodó um pelo outro. Quem não tem crises vive apenas de teoria, achismos. Quem não tem crises nunca sentiu na pele, não tem marcas, não carrega consigo uma experiência por mais mínima que seja. Quem não tem crises nunca olhou de verdade pra si mesmo, nunca se confrontou, nunca questionou suas verdades, nunca se fez as perguntas certas. Quem não tem crises é um ignorante com vida e que também tem o direito de andar por ai. Quem não tem crises é feliz pra caramba e nem sabe! Sim, às vezes eu desejo ser um grande ignorante, alienado, que passa pela vida sem questionar nada a sua volta e vive segundo os preceitos do que é ditado e imposto por terceiros. O conhecimento às vezes é uma droga! Acredite.."


Ellion Montino