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Depois da tempestade

"Um coração não é um lar se não estiver junto daquele com quem se passou a tempestade".

Ele sempre me dizia isso, e eu acho que nunca entendi, até o dia que me deparei com um coração completamente sozinho depois da última tempestade. 

As coisas sempre foram equilibradas entre nós. As brigas aconteciam, mas os momentos felizes e o amor eram superiores a qualquer coisa. Era como um círculo sem fim. Eu sempre voltaria para você e você pra mim, desde o primeiro dia. 

Você passava por aquela pequena loja de CDs no final da rua, e resolveu entrar para verificar se o novo álbum da sua banda favorita tinha chegado, mesmo sabendo que aquela loja não tinha coisas novas. Sua camisa xadrez azul e sua touca cinza me chamaram atenção, mas sua mente foi mais rápida que a minha. 

Nós trocamos algumas poucas palavras, e elas se tornaram frequentes com o passar dos dias, que depois se tornaram encontros, e em algum momento nesse meio tempo eu havia entregado meu coração a você. E ele tinha sido muito bem cuidado por você até ontem, o dia de maior ventania na cidade.

Do lado de fora parecia que havia começado uma guerra. Mas dentro, era como se ela estivesse acabado. Tudo estava em pedaços, e infelizmente você foi embora sem ajudar a reconstruir os pedaços. 

A carta que você deixou não foi suficiente para me fazer entender o que aconteceu, mas algum dia eu vou entender o que aconteceu durante a tempestade. É difícil explicar ou compreender o que nem eu entendi. Quem sabe um dia eu consiga juntar os pedaços e escrever mais uma vez sobre isso, mas por enquanto, eu deixo a minha pequena confusão. 

Andressa Oliveira
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E tudo deu errado e eu acho que não tenho um plano B

Eu não sei como vou contar minha vida, minha história quando eu tiver 53 anos. Não sei com que olhar irei ver meu passado que acontece agora. Não sei que narrativas farei das frustrações que molham meus olhos nesse momento e apagam alguns sonhos. Não sei com que entonação de voz contarei aos novos amigos, agregados familiares e ao público, em 2041, sobre os caminhos que esses pés percorrem agora. Não sei com que alegria ou pesar irei partilhar com os velhos amigos sobre a importância, ou não, dos fatos presentes no dia de hoje.

Eu não tenho a menor idéia do que fluirá da minha boca e das minhas lembranças quando eu tiver meus 53 anos.

Já fui alguém de muitas certezas e convicções. Eu já fui um grande proclamador de verdades absolutas. Hoje não me sobram muitas coisas desse tipo. Não sei se as perdi ou se as deixei no meio do caminho. Acho que os dois. Já tive planos em que tive a certeza que iriam se concretizar. Não concretizaram. Já tive sonhos que tive a certeza que continuariam existindo depois de acordado. Sumiram quando abri os olhos. Já tive projetos que iriam revolucionar o mundo. Ninguém chegou a conhecer. Já tive anotações brilhantes, poéticas, inspiradoras. Molharam e não soube escrever de novo, do mesmo jeito, com aquelas palavras. Já tive visões arrebatadoras que poderiam iluminar os olhos de muitas pessoas. Ninguém viu e eu também deixei de ver.  Já trilhei caminhos sabendo exatamente onde ia dar. Não cheguei onde pensei que chegaria, me perdi e não voltei. Já soube exatamente como seria minha vida aos 24 anos e ela não se parece com nada do que eu sabia. Já tive discursos certeiros, promessas feitas de olhos fechados e palavra de homem de palavra. Me arrependi voltando atrás, quebrei as promessas e junto se foram alguns vínculos e menti perdendo a credibilidade. Já olhei o céu sabendo exatamente o que pensar dele e hoje me sobram muitas estrelas e galáxias e poucos conceitos e teorias. Já olhei as pessoas sabendo exatamente o que identificar de cada uma delas, como se eu possuísse algum raio x de alma, e todas me surpreenderam me fazendo viver com o inesperado e o improviso. Homens que pareciam de alma pura com presas afiadas, homens que pareciam ter presas afiadas com a alma pura. E eu já fui desses dois tipos de homens e hoje eu estou mais para a opinião de que conceituar isso também é outra perda de tempo, afinal tudo muda o tempo todo, inclusive as pessoas. Já escrevi coisas as considerando arrematadoras e hoje sinto vergonha daqueles rabiscos e procuro pensar que não fui eu que escrevi aquilo. Esse texto pode ser um deles num futuro próximo, mas eu não sei. Eu não sei nada e isso é horripilante. Olhar pra trás e perceber que todas as coisas que eram certas deixaram de ser, e que todas as convicções não sobreviveram ao tempo, à realidade e a vida também não é muito confortável.

E agora estou aqui, diante de outra decepção que será um tipo de marco, de estaca. Me sinto frente à uma bifurcação tendo minha vida à um triz de mudar drasticamente de novo e eu continuo sem fazer idéia de como vou contar minha história quando eu tiver meus 53 anos. Talvez isso que agora trava minha garganta seja o motivo de dizer futuramente: ‘e houve aquilo, e graças a Deus, porque por causa disso minha vida foi para onde deveria ir’ e então todos aplaudem e tiram suas lições de como vencer as frustrações e eu me sinto ótimo por ser um mártir das pancadas da vida, ou isso que acontece agora pode ser uma das causas de me fazer rastejar procurando por algum argumento, por alguma força que me faça dizer que tudo tem um propósito, e que mesmo rastejando eu devo dar graças, fazendo da gota salgada do rosto um tipo de bebida tônica, mesmo duvidando de tudo, e que nada virá disso, nenhum tipo de flor no meio do asfalto, virando apenas uma lembrança ruim que tentamos esquecer mas que não vai embora.

Não sei, acho que é isso que se sente quando nos sentimos perdidos... o choque com a nossa pura ignorância frente à vida e o que vem dela. A gente tenta dizer ‘dane-se’, mas é só da boca pra fora. Dói quando uma chama se apaga e dor a gente não consegue ignorar.

Vejo alguns velhos rindo e me dizendo ‘pare de besteira garoto, você é muito jovem’. E eu vejo outros velhos me ouvindo e dizendo ‘eu tenho 62 e estou igual a você, garoto’, e vejo aqueles velhos dizendo a esses velhos que ainda lhes resta tempo e então chego a conclusão de que talvez a maturidade não tenha haver com a idade e sim com as certezas que você carrega e com o fato de você se sentir pronto e feito. Então talvez quando eu tiver 53 anos eu continue novo e despreparado. E vão me dizer, depois de lerem isso: “o que houve? Isso é muito pessimista! Vou lhe emprestar um livro ótimo” e eu vou querer xingá-los e mandá-los aos quintos dos infernos, mas irei sorrir e agradecer por tamanho altruísmo.

O problema é que eu tinha um plano A e deu merda. Na verdade eu já tive muitos planos com a letra A.

‘A’ foi a letra do nome da minha primeira paixão. Aline. Com ela eu aprendi a entender o Alfalfa, dos batutinhas, foi o primeiro filme, de muitos que viriam depois, em que tive minha primeira identificação. E agora não sei por que estou falando disso e também não quero apagar.

        Mulheres, elas estão por toda parte, inclusive em desabafos e textos que não tenham nenhuma relação com elas.

Talvez o problema seja então a letra dos meus planos. Chega de A. Agora minha vida entra no plano B. Também já tive um amor de letra B, mas não quero falar sobre isso. Chega de planos. Chega de letras para os planos. Chega de adivinhar ou prever o que virá. A questão é que o alfabeto não irá me dizer agora o que contar quando eu tiver os meus 53 anos. O que me resta então é essa garrafa de vinho, um brinde a imprevisibilidade da vida, um sorriso desgastado às perdas e desilusões, uma mesa com o notebook, os sapatos tirados aliviando os pés cansados de uma trilha em volta de não sei o quê, e a esperança que também se cansa de esperar e que também gosta de beber.


Um brinde aos 53 anos que ainda não chegaram.


Ellion Montino
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Gramática

Verbalizar um sentimento necessita um saber
Finja que sou o gramático e o meu verbo é você

A maneira como a conjugo não respeita um tempo
Pode ser presente ou futuro, isso sou eu que invento

Bom, pode até ser futuro se esse for perto
Mas prefiro o presente, pois assim é mais certo

E quanto à pessoa prefiro usar a primeira do plural
Na verdade, se usar eu, você, nós, é tudo igual

Eu sou o sujeito e você é meu predicado
Porque o que sou não sei direito, mas você traz o significado

Mas se realmente existe um verbo que esse seja de ligação
Pois se ligar o sujeito ao predicado me liga ao seu coração

Agora percebo que o sentimento pode se verbalizar
Ao mesmo tempo vem a dúvida: o meu amor é mesmo para amar?

Diego Luque
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DO TESTEMUNHO

Vou lhes contar minha história, senhores. Por favor, parem os risinhos.

Falo sério e com sobriedade, mas nem sempre foi assim. Hoje falo de um outro patamar, de um outro estado de espírito. Fui agraciado, alcançado por uma força maior. Ouço vossos rumores pelos becos, vejo seus olhares desconfiados. Compreendo-vos. Sei bem quem fui, ou melhor, acho que trago uma vaga lembrança.

Eu era um perdido, sujo, maltrapilho, bêbado. Perturbava-lhes a paz, o sono. Cheguei a levar bofetadas na cara por isso. É, eu não era muito bem visto, muito bem-vindo, querido, desejado, enfim. Eu lhes entendo. Mas que me importavam essas coisas? Que me importava à vida, senhores? Acreditavam mesmo que essas coisas me doíam? A minha dor era outra. A minha dor não era na carne, era na alma. Nenhum rasgo na pele ardia mais do que os meus latejos internos. Nenhum delírio causado por substancias lícitas e ilícitas me tiravam mais dos eixos do que a vontade da morte.

Vejo que prendi vossa atenção. O drama, a tragédia e a dor lhes causam curiosidade? Interesse? Vocês são criaturas interessantíssimas, senhores.

Não compreendem minha mudança? Não acreditam nela? Pois vejam, vocês estão diante de um milagre! O homem não está de todo perdido. Eu tive jeito. Fui liberto, mas estou longe de me ver livre. Já explico.

Calma. Porque vocês são tão ansiosos? Vou responder todas as questões. Quero que brindem comigo e por isso lhes dou minha história aos goles.

Naquele tempo nenhum trajeto, caminho ou estrada me fazia sentido, me davam alguma direção. A falta de norte e de destino nos tornam vagantes sem rumo, meus caros. Não saber aonde se quer chegar pode ser um perigo sutil à vida. Estampo na vossa cara minha condição, e não, não me envergonho dela. Assumo meus poços com heroísmo, eram meu patrimônio, algo que poderia chamar de meu, um bem muito bem apropriado por sinal, um lote que se mantinha longe de seus impostos, mas que não deixava de me cobrar o aluguel e o preço eram meus dias, meus sonhos, minhas vontades, meus desejos. Nunca atrasei um, senhores. Saudava minhas dívidas todas em dia, até que não pude mais pagar.

Sabem o que acontece nessas horas? Esse tipo de aluguel atrasa e os juros são altos, e dos meus olhos saíram então todo brilho. Já não tinha sonhos, desejos, vontades, brilho nos olhos. Não me restava mais nada, apenas à vida que insistia correr em mim, mesmo que arrastada e essa virou o meu penhor, com ela deixaria tudo pago.

Adoro vossa expressão de espanto. Ah, como gostaria que vocês vissem as vossas caras!

Iria quitar minha divida. Sou um homem honrado e não gosto de dever nada para ninguém, muito menos para mim. Iria suicidar-me.

Naquele dia levantei tarde, queria me conceder pelo menos alguns prazeres casuais antes de pedir para fechar a conta. Último banho quente, último pão, última conversa, última garrafa, última trepada, mal sucedida, confesso, mas...nem todo fim é completo e perfeito em si mesmo!

Saí cambaleando vos cumprimentando pelas ruas. Vossas zombarias foram meu último alento, minhas últimas palavras de conforto, os últimos gestos de carinho.

Meu destino não poderia ser outro se não a ponte e era para lá que eu me dirigia.

Foi ali, no ápice do latejo e da vergonha, na eminência da euforia e do fracasso, da ansiedade e do desejo mórbido que vi, enfim, a luz que me retirava das trevas que me tragavam.

Ali fui arrebatado de toda perdição, senhores. Minha salvação chegava para mudar completamente minha vida e meu rumo.

Minha salvação e redenção era ela cruzando meu caminho naquele instante. Olhos escuros, cabelo repartido ao meio, distinta, única. Passou por mim, evidentemente nem me notou e obviamente nem fazia idéia que o seu simples ato de caminhar naquela calçada, naquela noite, naquele momento, fez bombear mais forte meu coração distímico, jorrando mais fluxo de sangue em minhas veias e tirando de minha cabeça qualquer propósito de fim. Aliás, o quê mesmo eu estava fazendo ali? Claro, fui conduzido por uma força maior apenas para vê-la.

Acompanhei todo seu trajeto com meus olhos e com o movimento da minha cabeça. Em mim se resgatavam, naquele momento, os sonhos, as vontades e os desejos. Quem precisa de reformadores protestantes, de noventa e cinco teses, quando se têm um anjo cruzando seu caminho, senhores?

Eu não pularia mais. Naquele momento eu encontrava minha liberdade novamente e nela eu encontrava outro tipo de abismo para saltar e eu saltaria com gosto. Foi o que fiz, saltei. E no salto ela desfilava como deusa.

Ela me livrou de todo mal que eu pleiteava causar a mim mesmo e me fez livre para me prender a ela. Que prisão abençoada. “Benditas são vossas grades, madame!”  eu repetiria isso para mim por muito tempo, tinha certeza.

Eu fui salvo, senhores!

Minha vida mudou. Sei que vocês se recusam a acreditar, mas pessoas definem pessoas. Ela nem sequer me olhou e mesmo assim me fazia sentir uma necessidade de mudança quase que instantânea. Essa sensação e vontade se assemelhavam a um sentimento de desespero, um sentimento de urgência. Eu precisaria ser melhor para no mínimo saber seu nome. E ali na ponte eu morri para ser outro de mim mesmo.

Quem eu era? De onde eu vim? Nada disso importava mais.

Não tenho passado depois que a vi passar. Eu começo quando ela surge, ponto final.

E não me venham com seus santos, senhores!

Entre vós está minha redentora. Sei que nesse momento ela me ouve e me vê. Sei também que ela não faz idéia de que é dela que falo. Como saberia? Não fomos devidamente apresentados....

.....


Ele falava alto e em público numa espécie de praça. Ninguém lhe dava ouvidos. Ninguém prestava atenção. O consideravam louco e bêbado. Erguendo um copo vazio, fez um brinde e bebeu, deliciosamente, o vácuo, sorrindo com gosto depois de um belo gole.


Ellion Montino
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me trai comigo

Não havia mais nada que eu pudesse fazer. O tipo de controle que eu gosto já não estava na minha mão. O problema nessas horas é que você acredita que a resolução depende só de você e era isso que me irritava, não ver opções ou caminhos.

Eu não sabia mais o que ela precisava. Ela ficava calada sem dizer ou explicar.

Eu perguntava se eu havia deixado faltar algo, qualquer coisa, ela dizia “agora não, Ellion” e teimava em continuar procurando coisas que a alimentassem fora de mim. Não havia mais suficiência em nós.

Tudo causava tédio nela, meus livros, minhas músicas, os filmes, seriados, textos, saídas. As conversas se tornaram blasés, superficiais e eu não entendia como isso era possível.  Éramos grandes juntos.  O mundo era tão pequeno diante das coisas que sonhávamos. Havia algo na nossa trama que nunca soubemos explicar e nem perdíamos tempo com isso, apenas éramos e isso bastava. Ela possuía um charme fatal. Havia desejo, troca, havia espaço pra nos perdemos no nosso emaranhado. Havia o receio do tempo tão curto e fugaz. Havia planos e rabiscos para não desperdiçarmos nada que fluísse de nós.

“será que eu e você podemos fazer alguma coisa para aceitar que a vida seja tão breve?”

Era o que costumávamos nos perguntar.

Sinceramente, não sei como chegamos aonde chegamos. Nossas asas eram de cera, talvez, e agora estávamos em queda livre.

Amigos, nessas horas, geralmente dão os piores conselhos. Os que mais predominaram diziam que eu precisava achar outra que me completasse, outra que me devolvesse o que achavam que perdi. Eu me recusava a aceitar as coisas simplesmente dessa forma. Recusava-me a trocá-la, a romper, a deixá-la ir. Não conseguia pensar nessa possibilidade, aliás, essa nem era uma possibilidade.

Cheguei a ouvi-la dizer que sou insuportável e que ela só precisava de um meio para fugir e que nos deixasse vivos e inteiros. Uma chance e ela o faria sem titubear. Ela só queria um jeito fácil de acabar com as coisas para cada um seguir adiante. Eu dava risada. Explicava que era impossível. Ela se frustrava, debochava e dizia que as coisas iriam continuar como estavam, que dela não emanaria esforço algum por nós dois e que ela não sentia nada a me ver tentando, insistindo.

Comecei a incentivar sua busca e sua quebra. Era como se ela estivesse diante de um precipício sem saber se pulava, então eu empurrei e pulei para cairmos juntos.

“Se você falhar, volta pra casa, já tanto faz, vai me encontrar sorrindo pra te enfeitar. Se nada funcionar, volta pra casa... vai me encontrar sorrindo pra te estancar!”

Percebendo-se livre, ela parou de me culpar. Assumiu seus anseios e foi!

Uma vez ela chegou chorando, sentindo-se perdida, sem saber quem era, olhos vazios. Pediu para eu não falar nada. A lágrima era quente e escorria com freqüência. Levantei, peguei uma folha de um bloquinho, escrevi e grudei na geladeira. Decretei o que ela faria:

“ME TRAI COMIGO!”


Ela sorriu, enxugou o rosto e disse “tudo bem, eu paro e volto”. Não dissemos mais nada, mas sentimos um alívio que há tempos não sentíamos. Dormimos juntos. Acordamos juntos. Permanecemos juntos. Eu e a minha Alma.

Ellion M.
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O título é uma surpresa

Todo o dia que acordamos nos deparamos com surpresas que às vezes nós mesmos as preparamos. Surpresas do tipo: SUUUURPRESAA!

Ser surpreendido faz da surpresa um presente que surpreende mesmo se esse presente estiver no futuro. Toda vez que me lembro das surpresas que já vivi eu consigo imaginar das surpresas que poderão vir em um dia surpreendente. Quem imaginaria numa segunda-feira que as coisas de terça poderiam nos surpreender numa quarta sendo a quinta coisa mais importante para nos surpreender. Escrever esse texto, por exemplo, é uma surpresa pra mim.

A surpresa às vezes está dentro de uma caixa misteriosa, muitas vezes a surpresa está atrás da porta em que entraremos, ela pode estar numa ligação, num amor. Como surpresa é surpresa ela está onde ela quiser sem ninguém vê-la.  Imaginar que hoje eu posso estar triste e daqui a minutos surpreendentemente uma mensagem pode me deixar feliz. Quem fez isso? A surpresa, é claro! Essa dona surpresa manda na nossa vida, acho que até ela fica surpresa com o que faz.

Hoje eu durmo e amanhã eu acordo. Uoooow! Surpresa, cara! Alguém me deu mais um dia. E como diria o sábio Joseph Climber: “a vida é uma caixinha de surpresas”. Nós temos várias caixinhas espalhadas por aí esperando o momento certo de serem encontradas. Só um parêntese: (isso não é um texto de autoajuda). É gostoso ser surpreendido! Nesse mesmo momento em que estava escrevendo, uma pessoa me disse que eu sou um amor. Que surpresa maravilhosa!

Surpresas vão, surpresas vêm e sempre são surpresas!E porque resolvi escrever sobre surpresa hoje? Porque resolvi escrever como Diego Luque mesmo? SURPRESA!


Diego Luque
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A toa

Cadê você que disse que iria ficar?
Cadê você que eu to querendo olhar?
Eu disse “não” querendo dizer “sim”.
Eu disse “talvez” sabendo que não seria assim.
Mas com você é difícil negar.
Não há lógica no mundo que possa disfarçar.

Porque se você me chamar eu vou, eu vou.
To com saudade de te encontrar, a toa.
E se alguém disser que eu não estou.
Saiba que eu estou a te procurar, a toa.

Hoje eu achei que você estava aqui.
Mas acordei e vi que era um sonho.
A sensação mais estranha que eu vivi.
E eu nem consigo explicar como.

Mas se você me chamar eu vou, eu vou.
To com saudade de te encontrar, a toa.
E se alguém disser que eu não estou.
Saiba que eu estou a te procurar, a toa.

Andressa Oliveira
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Sobre os dias que você sabe que não deveria ter levantado da cama

Tem dias que você sai de casa para ser contrariado. Você planeja e não dá certo. Programa a agenda e perde os horários tendo que modificar todos os compromissos. Precisa urgente do ônibus e não consegue entrar porque está lotado. Quando finalmente senta na cadeira de onde trabalha e decide focar no trabalho, pra esquecer a manhã que já começou ótima, aparecem erros que você não sabe de onde vieram cometidos não se sabe por quem, mas que precisam de alguém que pague por eles e obviamente o escolhido é você. Pois é, hoje foi assim.

A primeira coisa que passa na sua cabeça é: Ainda não é nem 9h da manhã e eu não to querendo pagar pra ver o resto do dia. E sobre esse dia em específico eu posso dizer que paguei e me custou 50 centavos.

Não preciso nem descrever como foi o restante da manha e da tarde. Basta você pensar em todas as coisas possíveis e imagináveis pra ferrar com seu dia e depositar na minha conta. Café derramado na roupa, privada entupida, cartão bloqueado sem motivo e uma fila enorme pra pagar o almoço e você só com uma moeda no bolso, reunião com sua equipe e o índice de desenvolvimento ser baixo e você se sentir o responsável por aquilo, elevador parado aguardando reabastecimento de energia... Celular caindo e trincando a tela, e o famoso clichê do carro que passa numa possa e o fim você já sabe.

No final do expediente decidi ir para casa. Do jeito que estava a coisa era bem provável eu ser abduzido, atingido por um meteoro ou lixo espacial, ter dois raios caindo no mesmo lugar mais de 12 vezes... ir para casa era o mais seguro.

Na dobra da esquina, com o fone na mão e de cabeça baixa, pra ver se a vida não me reconhecia pelas ruas e continuar me aloprando, um cara passou por mim. Ele passou e senti que parou. Pensei: vida, sua desgraçada. Então o cara voltou e parou na minha frente. Era desses malucos da rua e pensei que pelo dia que estava levando esse era o final mais óbvio e eu pensando em aliens e meteoros. Sou mesmo um ingênuo.

Tirei os fones do ouvido. Ele pedia um trocado, me olhava com olhos cansados de quem ainda tenta se esforçar ao máximo pra convencer o outro. Meti a mão no bolso e peguei a única moeda que tinha ali. Com uma mão ele segurou meu braço e com a outra ele segurou a moeda. Seu semblante havia ficado sério e agora era um outro tipo de olhar que ele me dirigia. Fiquei quieto e assustado, do jeito que a gente fica quando se pode esperar por qualquer coisa a qualquer momento. Então ele começa a dizer:

“pessoas vao e vem, é a teoria mais absoluta que vivo...

A vida é uma mulher de vermelho que deixa surpresas no caminho...ora bons, ora ruins.

A estrada nem sempre esteve lisa e completamente asfaltada...

No escuro também achamos outros tateando...

A luz vem sempre no fim do túnel, e às vezes é o contrário, no final da luz o túnel nos engole, então é bom sempre ter uma lanterna...

No silêncio ouvimos o eco dos próprios gritos...

A inquietude nos movimentando, mesmo que num leve aceno a distância...

A busca nunca será finita...

A bússola nem sempre mostra o X do mapa...”

Ele pegou a moeda e saiu correndo. Eu fiquei parado por uns instantes tentando absorver aquilo. Foi a única vez que não me senti dando esmola ao dar uma moeda. Eu havia pago por conselhos? Tudo bem, pensei, 50 centavos investidos em palavras.

Ah, e se você acha que isso faz a história terminar com um toque de mágica do tipo que vemos nos desenhos da Disney, onde meu dia então se transforma e todos ficam felizes você está enganado e anda assistindo muitos filmes de Hoolywood.

Cheguei em casa e descobri que a chave ficou na gaveta do escritório e agora eu não tinha nem 50 centavos pra tomar uma ardente na padoca.

Ellion Montino
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Palavras Cruzadas

Às vezes a noite me derruba numa fração de segundos como se tudo que eu tivesse vivido até ali simplesmente se apagasse para que a minha imaginação começasse a funcionar. Mas antes que o sonho venha, durante todo o dia, eu ganho meus motivos pra sonhar. Ouvir sua voz no final da noite é muito mais acolhedor do que entrar em uma casa onde todos os lugares te acolhem. Ouvir a sua voz me traz uma nova perspectiva de sono, ouvir tua voz é saber que os meus sonhos, por mais que eu não os controle, serão mais gostosos de sonhar.

Você chegou perto de mim com um enigma pra resolver, um enigma complicadíssimo – capa de travesseiro com seis letras? – e a resposta tem tudo a ver com os meus sonhos. Você cruzou na minha frente com umas palavras cruzadas e cruzou todos os meus pensamentos. Eu sempre olhei pra você, mas só olhava pra você. Hoje, eu não paro de olhar pra você. Está tudo diferente. Quanto mais eu tento entender o porquê desse cruzamento você vem com outro enigma – arrumadeira de quartos com nove letras? – e cada vez mais você vai me complicando com essas charadas.

Pra mim é complicado ver essas palavras se cruzando, e o mais difícil de tudo é que estou no meio de um cruzamento tentando resolver suas palavras cruzadas. E na minha cabeça, a única coisa que não saia era “o que eu preciso com quatro letras?”. O universo tem conspirado em nosso favor, todas as coisas têm nos feito favores e nós sempre dizendo obrigado a elas. Obrigado vida por nos dar essa nova charada! Você me fez apaixonar pelo jogo das palavras e você me faz jogar as palavras nesse jogo. Tudo que eu jogo me diz – o que eu digo pra ela com sei lá quantas letras? – essa é difícil. E cada vez mais meus pensamentos vão se cruzando e se formando, reformando, deformando, informando...

A minha vida estava toda embaralhada, os cruzamentos todos engarrafados, mas você vinha com uma regrinha de três e resolvia tudo. E mais uma vez perguntava – doce servido após as refeições? – e era assim. Você não mora aqui, mas como tudo está se cruzando daqui a pouco você passa por aqui só que eu te prendo no meu enigma e não te deixo sair. Entrou nas minhas palavras vai ter que responder os meus enigmas. São fáceis! Todas as respostas são: eu e você!

As palavras cruzadas me marcaram muito! Violação da lei com cinco letras? Crime. Desprovido de roupas com duas letras? Nu. Sepultura? Cova. Satélite natural da terra? Lua. Estrangular? Enforcar. Insistência exagerada; birra? Teimosia. Encaixe do parafuso? Porca. Você gosta de mim? Sim! E a gente vai respondendo... e juntos as respostas vem mais depressa.


Você não veio pra desengarrafar os meus cruzamentos, você veio e solucionou muitos deles, mas têm outros ali prontos pra serem resolvidos e eu estou esperando você. Por que depois que você resolveu a minha primeira palavra cruzada comigo eu não quero mais resolvê-la sem você.

Diego Luque
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Valer a pena (ou não)

Era tarde da noite, e eu ainda estava perdida em um aeroporto desconhecido. A bateria do celular estava se esgotando, e a fila do táxi parecia interminável, mas algo dizia que aquilo valeria a pena. Ou não.

Eu não o conhecia, mas ao ir de encontro aos seus olhos foi como se ele sempre estivesse presente na minha vida. Eu não sabia seu nome, mas sabia que algum tempo na minha mente ele permaneceria.

Um dia, dois dias, três dias. Deus! Me dá algum sinal.

O cavalheirismo era interminável, e o grande sorriso também. “Deve estar apenas sendo educado”, minha mente dizia. Mas uma pequena voz falava: espera.

Eu não gosto muito de esperar. Esperar mensagem, esperar telefonema, esperar e-mail, esperar, esperar, esperar. Eu gosto das coisas claras, mas dessa vez eu não me incomodei.

O quarto dia chegou, e era hora de dizer adeus, e voltar aonde tudo começou.

Era logo cedo, e eu estava prestes a me perder em outro aeroporto desconhecido. A bateria do celular estava completa, e dessa vez, não havia táxi nenhum. Com um longo abraço, e um cafuné eu recebi um “até logo”, e foi quando eu percebi, que no final, valeu a pena. Ou não. 

Andressa Oliveira