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A última carta que escreverei sobre você

“Me desculpe por isso, mas eu não posso mais continuar”. Foi tudo o que ele disse por meio de uma carta toda molhada, com alguns bons borrões de tinta, e pequenos rasgos por ter passado por debaixo da minha janela.
Nós nos conhecemos há alguns anos. Eu havia acabado de entrar no primeiro ano, e ele estava se preparando para ir à faculdade. Ele era um bom amigo. Me ligava para saber porque estava de cara feia na escola, me contava piadas para ver meu sorriso. Vivia na minha casa, só para jogar aquele vídeo-game chato que meu irmão tinha, e tinha um bom relacionamento com meus pais.
Meses se passaram, e eu tive que me acostumar com o fato, de não poder vê-lo todas as manhãs. Mas não foi tão difícil. Ele estava feliz na faculdade que havia escolhido. Tinha amigos novos, muitos trabalhos, mas realmente estava satisfeito com a vida que havia escolhido. Eu, apenas tentava me acostumar com as matérias chatas que o segundo ano me trazia, e me preparava para encarar a decisão difícil que teria que tomar no ano seguinte.
Nada havia mudado completamente. Continuávamos a nos ver com frequência, assistir os piores filmes do cinema, e a escolher CDS apenas pela capa, quando íamos a alguma loja no shopping. Nos finais de semana, saíamos com os mesmos amigos de sempre, cantávamos enquanto ele tocava seu antigo violão, até dar a hora de me levar para casa.
Se passou um ano, e outro, e outro, e eu me sentia a pessoa mais feliz e realizada do mundo. Toda vez que olhava seu sorriso, era como se meu mundo estivesse completo.
Certa noite, após exatos 10 dias em que eu não tinha nenhuma notícia dele, um papel caiu sobre minha janela. Eu tentei correr a tempo para ver quem era, mas tudo que encontrei foi o barulho da chuva caindo no chão.
Eu costumava amar dias chuvosos, mas aquele dia não havia me animado muito. Não sei se foi o fato de eu passar o tempo escutando minha lista de músicas tristes, ou a angústia que tomava meu coração.
O papel estava molhado, amassado, e até um pouco rasgado. Quando abri, eu sabia que conhecia aquela letra, e então sorri. Um sorriso que em pouco tempo começou a diminuir.
“Pequena,
Eu sei que deveria ter tido a coragem de te encarar frente a frente, mas eu não sabia como fazer isso. Não sei se são seus olhos que iriam me matar, ou sua mania de sempre sorrir, não importa o que aconteça. Não sei se aguentaria saber que estava prestes a nunca mais te ver, e ser recebido com o mais doce abraço que um dia já recebi. Mas de alguma forma eu precisava fazer isso, mesmo que fosse da mais covarde possível.
Primeiramente, peça desculpa ao seu irmão, por não poder voltar e terminar a partida do jogo que ele tanto queria. Fale a sua mãe, que ela tem o melhor pudim que eu já experimentei em toda a vida, e diga a seu pai, que eu não me importarei se ele me encontrar pelo campo onde sempre jogamos bola, e quiser cometer várias faltas sobre mim.
A você, eu não sei se tenho muito ou pouco a dizer. Nós já vivemos tanto, mas ao mesmo tempo tão pouco, perto do que sempre sonhei. Mas algo aconteceu de repente, e eu não posso mais enganar o tempo, ou você.
Ela
Eu
Um dia
Apenas aconteceu
Me desculpe por isso, mas eu não posso mais continuar”.
Aquela noite parecia perfeita para o momento. Eu olhei para meu celular que continha a nossa primeira foto juntos em seu plano de tela, e logo disquei seu número, mas algo em mim, fez com que eu não realizasse a ligação.
Eu poderia escolher odiá-lo. Com todas as minhas forças, e com todo o meu entendimento. Eu poderia escrever três discos inteiros, mostrando como ele partiu o meu coração. Mas eu também poderia escrever 10 álbuns sobre como ele havia sido bom pra mim. E eu sabia que poderia esquecê-lo, sem gastar toda a minha energia em algo ruim. E foi isso que decidi fazer, mas não podia deixar de antes, escrever minha última carta, das várias que eu nunca enviei.

Andressa Oliveira

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