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Apenas um sonho


Estava sentada em um belo parque em Nova York apreciando o pôr-do-sol, quando alguém se senta ao meu lado me envolvendo em seus braços.
–Eu ainda me lembro da primeira vez que te vi sentada aqui – ele sorriu e puxou meu rosto com carinho fazendo com que eu olhasse para ele – você estava sentada bem aqui, onde estamos, lendo o livro “Querido John”. Seus cachos compridos dançavam com o vento. Você se levantou e passou por mim com um tímido sorriso. Um sorriso que me deu esperança e fez com que eu viesse todos os dias ao parque para te ver, até que eu tive a coragem de falar com você – pude sentir uma lágrima cair – e mesmo relutando eu consegui te levar para sair e no outro dia, bem aqui, nós demos nosso primeiro beijo – com lágrimas e um sorriso no rosto ele continuou – passado um mês do nosso primeiro beijo, bem ali – ele apontava para uma árvore um pouco distante de nós – eu te pedi em namoro, você tinha um brilho no olhar e pela primeira vez você deixou seu medo de lado e aceitou o meu pedido sem hesitar. – ele tomou um ar, respirou e continuou – Mas agora eu tenho algo muito sério para te falar – ele se levantou e me puxou para que eu também me levantasse. Logo depois se ajoelhou, e com esse movimento muitas pessoas foram parando ao nosso redor.
–Caroline Gennari, aqui estamos eu e você, onde nos vimos pela primeira vez – ele tirou uma caixinha de veludo vermelha do bolso enquanto segurava uma das minhas mãos. Com um sorriso no rosto, e com olhos cheios de lágrimas ele começou – você aceita se casar comigo? Ser a mãe dos meus filhos? Ser a única em minha vida? E mesmo que a morte venha ainda estaremos lado a lado bem aqui, onde nosso amor nasceu.
Eu não tinha palavras para responder. Só conseguia ouvir as pessoas murmurando coisas como “que lindo”, “aceita logo”, “que sorte a dela” e então eu me levantei.
–Senhor Pedro Henrique – ele aparentava estar nervoso – como poderia eu não aceitar me casar com o homem que é o dono do meu coração? A única pessoa por quem eu dediquei os meus sentimentos mais sinceros sem ter medo do futuro. – e com o meu maior sorriso eu disse – Sim, eu aceito me casar com você – ele colocou o anel em meu dedo, logo em seguida me envolvendo em seus braços e selando nossos lábios em um beijo.
–Eu te amo meu Pê – sussurrei em seu ouvido.
–Eu te amo minha Gê – ele sussurou de volta.
Senti alguém me cutucar. Era minha amiga Sara. Eu me assustei e quando vi, tinha adormecido no parque, de novo.
–Carol, você tem que parar de vir aqui. Isso só vai te machucar – ela me ajudou a levantar e pegou as minhas coisas que estavam no chão.
–Eu sei Sah, mas eu simplesmente não consigo esquecer esse lugar – comecei a caminhar em direção ao parque junto a ela, quando eu o vi. Ele estava com uma mulher loira, alta, com uma bela aparência e estava usando um anel, o meu anel. Ele olhou para mim e uma lágrima caiu em meu rosto. Tudo não havia passado de um sonho.
Andressa Oliveira
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sou homem, sou bicho, sou monstro

Meu passado? Meu passado comporta tudo! Nele cabem todas as coisas que não vingaram... Nele estão todas as sementes que não morreram e deixaram de produzir vida... Frutos... Alimento.

Meu presente é insuportável!! Nele está a realidade dura, fria e desumana. Não sou homem, sou bicho, sou Diógenes de Sínope, conhece? É o único filósofo que se parece comigo. Já ouviu falar? A diferença entre nós é que a situação dele foi escolha e a minha foi... a minha foi... não lembro doutô, não lembro como cheguei aqui.

Mentira, eu lembro, mas me engano, ou melhor, finjo doutô. Finjo que me engano para fingir que me esqueço.

Me engano porque fujo, me engano porque quero esquecer. Mas a lembrança é igual fome, quando a gente materializa no pensamento dói e eu não quero mais doer. Então bebo água pra passar...a fome, claro. Mas bebo a marvada pra passar a lembrança. Eu bebo para não doer.

Minha cama é de concreto. Meu teto é feito de nuvens que também não tem onde morar. Meu cobertor é o jornal e essa manta com cheiro de mijo e de merda. Meu restaurante é self service, o cardápio é variado é só saber procurar bem nos lixos que existem por aqui. Meu presente é insuportável doutô. Não sou Atlas e nem quero tentar.

Mas olha, meu futuro é expansivo... tão grande como minhas ilusões que acreditam que nele cabe tudo o que eu queira. Minhas ilusões forram meu prato vazio. No meu prato vazio e no meu vazio, doutô, cabem todas as coisas... a fome, a dor, a mágoa e o olhar que mira o futuro que não comporta meu presente; o meu futuro que se esvazia do que me completa hoje, a miséria.

Eu posso falar, tenho voz, mas há anos não a uso. Não por falta de vontade, mas por falta de ouvinte. Sou fedido doutô; sou sujo doutô; sou feio. Eu afasto, eu assusto. Eu não sou bicho, eu sou monstro...

Os acenos que dou voltam tão vazios como esse prato aqui, óh... Não gosto da conjunção “como” porque ele come enquanto eu padeço.

Sou instruído doutô! Viver na rua não nos deixa ignorantes, nos deixa invisíveis.

Hoje peguei meu saco preto de catar latinha e fui catar latinha.

Era 13h04 naquele grande relojão. Num lixo, em frente a um restaurante, aquele cheiro fazia meu estomago falar bem alto.

Pela janela eu vi o prato daquela moça.


Do lado de cá, do lado de fora, do lado do lixo não era minha boca que se enchia de água, eram meus olhos!

Ellion Montino
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Pra quem saiu em busca dos perdidos e se perdeu


Onde não se encontra o caminho
Nem a preposição para indicar
Pelo fato de que
Ambos, cujos, enfins
E o discurso que de tão vazio, sumiu

Pra quem buscou quem se perdeu
Antes de sequer se achar
Quis indicar um caminho
que nunca percorreu

A gente quer a vida previsível
Sempre esperar o que vai acontecer
Mas nunca o que é foi previsto
O que se previu não será

O frio na barriga, a dor na espinha
A incerteza é a nascente da poesia
A beleza quer ser amiga da imprecisão

Não se encontra quem nunca se perdeu.
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Conversando sobre o amanhã


Buonanotte, caros leitores.
Hoje amanheci inspirada. A noite passada não consegui dormir; culpa da insônia e do meu vício em café. Pensei, pensei muito sobre o que escrever hoje e não encontrei nada para falar, então, tchau e adeus.
Brincadeira…
Quero falar do poder das palavras, como elas curam e amaldiçoam uma pessoa. As palavras são nossa maior fonte de poder, assim como nossas atitude. Se repararmos bem nem tudo o que falamos fazemos, e nem tudo que fazemos falamos. Somos pessoas contraditórias em vários sentidos na vida, por isso nunca, nunca tenha certeza de algo, até porque as coisas, situações e sentimentos mudam.
Você é um ser humano, você pensa o tempo todo; nem que se queira parar você não consegue, há não ser que você se mate, mas isso não vem à ocasião no momento. Estás vivo e firme aí, embora possa está doente fisicamente ou mentalmente, você continua pensando; até dormindo tu pensa. Para mim, sonhos são pensamentos e desejos reprimidos, embora nem sempre seja possível lembrar.
Sempre deseje bom dia, boa tarde, boa noite, boa madrugada, e sempre agradeça, peça desculpas, diga por favor. Sorria e fale palavras amigas; embora tudo esteja ruim na sua vida algumas pessoas, às vezes, precisam ser alimentadas com gentilezas deste tipo. Embora cada um tenha seus problemas o egoísmo não leva ninguém a lugar nenhum… Talvez leve, mas fazer bem aos outros lhe ajuda a se sentir bem consigo.
Quando eu tinha 12 anos estava na esquina da casa onde morava; estava chorando muito, tinha visto meus pais brigar e eles me deram uma surra muito grande por gritar e sair correndo de casa com um veneno de rato nas mãos. Estava decidida a me matar, embora não tivesse coragem. Então, fiquei ali alguns minutos, depois um mendigo bem velhinho se sentou ao meu lado; de primeira, me assustei, o cheiro dele não era nada agradável, mas tinha um sorriso tão bonito.
Ele disse: ‘Não fique com medo, não vou fazer nada com você, só queria lhe dizer umas coisas, posso?’, fiz que sim com a cabeça. Ele tirou algo do bolso e me deu dizendo: ‘Está vendo esse vaso com uma rosa? Roubei ela da frente de um cemitério e senti que deveria dar ela a ti, pois ela é linda como você, sensível como você, e precisa de amor e carinho para não morrer. Leve ela contigo, cuide dela; plantas tem sentimentos. Quando estiver triste, converse com ela, ela tem uma vida pela frente. Piacere di conoscerla, addio’, se levantou e foi embora.
No momento, não entendi o que ele quis me dizer, mas me levantei, joguei o veneno fora e voltei para casa. Cuidei da rosa e a escondi em meu quarto; sempre que estava triste, com raiva, com problemas, ficava horas conversando com ela.
A intenção daquele velho mendigo era me presentear um amigo, era não me fazer desistir. Graças àquelas palavras gentis e aquele doce gesto não fiz besteira, e isso me ajudou a aguentar certos problemas que passei na minha vida, antes de ir embora de casa.
Meu conselho hoje é: seja gentil, e cuidado com as palavras!
Arrivederci.
Uggiosa"
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Relatos de um sábado a noite



“Se você está saindo com alguém novo, eu estou saindo com alguém também”.

Já era tarde, e todos os recentes acontecimentos ecoavam pela minha cabeça. Era tarde demais para voltar atrás, em uma situação que eu ainda nem tinha decifrado. Você havia ido embora, claro que eu tinha percebido, mas, por que?

“Eu não vou sentir pena de mim, eu vou terminar essa bebida. Mas eu preferia estar em algum lugar com você”.

Algumas imagens voltam a minha cabeça sobre ontem a noite. Eu havia te visto em algum lugar variado. Você parecia bem, mas pareceu não me ver. Mas eu pude vê-la. Eu não a conheço, e não sei se fico feliz ou triste por isso, mas realmente, você parecia bem. E apesar de ter todos os motivos para eu ligar minha playlist de músicas tristes, encontrar o meu canto, e tirar o momento para sentir pena de mim, eu vou continuar aqui, mesmo preferindo estar com você.

“Rindo alto em um passeio de carnaval, dirigindo por aí em um sábado à noite.
Você zombando de mim por cantar minha canção”.

Vários flashbacks passavam pela minha cabeça, como cenas dos meus filmes favoritos. Nós costuvámos fazer coisas malucas e repentinas, fora do padrão de casais que víamos por aí. Você era meu melhor amigo, talvez isso tenha sido o fator crucial de não sermos tão normais assim. Eu escrevia canções nas minhas noites de insônia e você zombava por eu perder tanto tempo com isso.

“Você disse que me levantaria às três da madrugada, você está brigando com sua mãe novamente.
E eu iria, eu iria, eu iria a algum lugar com você. Em algum lugar com você”.

Eu não me importava com horários, ou momentos, ou o que iriam pensar, se eu estivesse em qualquer lugar com você.

“Eu posso sair toda noite da semana. Posso ir para casa com qualquer um que conheço.
Mas é apenas uma alta temporária, porque quando eu fecho meus olhos
Eu estou em algum lugar com você, em algum lugar com você”.

Minhas amigas me chamaram para sair, conhecer lugares e pessoas novas. Por um momento, tudo parece certo, e divertido e até bom. Mas os lugares parecem cheios demais, ou entediantes demais. As pessoas não são tão engraçadas, e a música nem é tão boa assim. Talvez seja o fato de que estaria melhor se você estivesse lá, ou em qualquer outro lugar, comigo.

“Você não vai perguntar e eu não vou dizer
Mas no meu coração, eu estou sempre em algum lugar com você”.

Eu posso te encontrar em qualquer lugar, e você pode vir até falar comigo. Mas eu conheço você, e você me conhece e sabe que eu não iria falar nada, eu não voltaria atrás, em uma situação que até agora eu não entendi.

“Porque quando eu fecho meus olhos, eu estou com você”.

A questão principal é que mesmo você longe, mesmo você estando com outro alguém,  mesmo eu vivendo sem você, e mesmo isso nem sendo a pior de todas as coisas. Quando eu me deito no final do dia mais agitado da minha vida, eu estou em qualquer lugar com você.

Andressa Oliveira
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A Professora Aloprada

Era uma segunda-feira normal de aula. A professora entrou na sala como todas as outras segundas. Cabelo preso, óculos lilás no rosto, livros nas mãos, a caixinha de giz sobre eles e uma pasta vermelha sob os livros. Ela era a professora mais linda do mundo, mas a cara dela não estava agradável. Ninguém sabia o que era. Ela simplesmente entrou na sala, deu o seu “Bom dia!”, e sentou. Geralmente ela deixava a gente conversar nos 5 primeiros minutos da aula e depois pedia pra nos aquietarmos e assim começar sua aula. Naquele dia foi diferente. Nós sentimos que ela estava meio chateada e com a gente. Por isso nem esperamos que ela pedisse que nos acalmássemos, ficamos quietos assim que ela sentou.

Ela estava brava, mas com um tom tranquilo nos dirigiu a palavra:
- Maturidade. É preciso maturidade quando se fala sobre estudos. Vocês já não são crianças, mas não estão levando a sério os estudos. E essas notas? Que notas foram essas? Alguém sabe me explicar o porquê de notas tão baixas?

Sem muito entender um amigo de sala perguntou:
- Professora, não sabemos do que a senhora está falando. Nem sabemos nossa nota. Como vamos explicar o porquê de tão baixas? E eu duvido que elas estejam baixas.

E esse meu amigo tinha razão. As notas da nossa sala sempre foram as melhores. Nós não estávamos entendendo. Ficamos até com medo do assunto. Nota baixa? Não pode ser. Todo mundo ficou desesperado e já ficamos com medo de não passarmos no vestibular. E a professora estava estranha, disso também estávamos com medo. Ela sempre gostou da gente. Nunca demos um deslize. Não seria possível que a turma toda, junta, traria um problema tão grande àquela professora que a deixasse furiosa conosco.

Estávamos ali. O terceiro A. A sala que sempre foi exemplo no colégio inteiro recebendo um grande sermão por causa de notas baixas. Todo mundo aflito e a professora continuou brigando com a gente. A fala dela estava diferente, meio falha. E ela caminhava de um canto para o outro como nunca antes fizera. Começamos a pensar que ela estava louca, drogada, sei lá. Mas estava muito estranha. Ficamos nessa dúvida, normal, anormal, até o momento em que ela, muito convicta, subiu em cima da mesa e pulou em direção à porta, que estava aberta, e bateu com a cabeça no trinco.

Ela caiu desacordada no chão e ficou lá por oito segundos e nós estagnados em nossas cadeiras bem surpresos. Ela se levantou, puxou sua cadeira e sentou com a mão na cabeça como se estivesse com dor. Ela olhou pra gente, agora já parecia normal, e falou:
- Minha cabeça está doendo. Acho que vou embora terceiro B.

Terceiro B? Mas a gente é do A. Ali então percebemos a confusão que foi feita. A professora estava dopada, confundiu as salas, xingou todo mundo, brigou com a gente, subiu em cima da mesa, quase se matou, agora vai embora, mas pelo menos a nossa nota ainda está a cima da média.

Diego Luque
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Há pedra, há água, há rio

     Silêncio. Tranque a porta. Desligue a música. É necessário silêncio. Seria importante fechar os olhos. Mas se todos fecharem os olhos, terei que falar. Prefiro escrever. Então, olhem apenas para este texto. Nada atrapalhe essa lei-tura.
      Há muito tempo atrás, foi que aconteceu. Era no tempo em que a humanidade não conhecia a ideia de propriedade, não existia cercas proibindo a passagem. A terra era de todos, os frutos abundavam e as águas eram bebíveis. Toda sexta-feira era santa. Animais e homens pareciam ter aquela aura superior, capazes de ouvir e entender um ao outro, em silencio.
      Era num tempo em que não se escrevia. As palavras eram cravadas na alma. Assinavam com o olhar. Reverenciando o silêncio, que sempre dava vazão aos cantos dos pássaros. Esses seres voantes viam tudo de cima e pareciam selar o que se acordava sob o chão.
      Sol de dia era vitamina para tudo e todos. Lua de noite era sonho, a indagação sobre o infinito onde ela estava pendurada. Homens e mulheres viviam. Só isso. O que poderia dar errado?
      Era manhã, como hoje foi manhã. A umidade que envolvia parte da terra e dos homens, escondeu uma lágrima no rosto de alguém. Este ser havia sentido o que não sabia expressar, não existiam palavras para descrever - até hoje não saberia expressar. Talvez você entenda o que sentiu quando souber o que ele fez. Saiu errante, no sentido oposto ao de todos os outros.
      Andou dias, procurou algo por toda a parte, mas não encontrou. Então, não fazia sentido. A primeira angústia aconteceu, este a nomeou assim. Estava incomodado pelo simples fato de existir. Procurou ouvir o canto dos pássaros, mas não havia mais silêncio dentro de si. Já não podia acreditar. Comia por comer, bebia por beber, andava por andar. Amava? Quem? Estava sozinho agora.
      Não se reconhecia mais como um animal. Os animais passaram a representar perigo. Pareciam ameaças. E num encontro com um cervo, sem que pensasse muito, desferiu golpes com o galho que levava sempre em uma das mãos: matou. Esse encontro mortal foi chorado por todos, o silêncio propagara a notícia em toda a terra. Matar um cervo aliviara sua angústia. Mas o alívio logo passaria.
      Com as mãos sujas com sangue prosseguiu sem saber para onde. Perdeu-se totalmente. Não lembrava mais como era a antes. Os outros não mais lhe interessavam.
      Completou, sem que soubesse, uma volta ao mundo de então. Só percebeu quando avistou os outros homens. Eles continuavam a viver. Comiam para viver, bebiam para viver, andavam para viver. A vida parecia acender uma brasa no peito deles. Quis viver. Mas não podia mais, o sangue daquele animal secara desde o seu rosto até os pés, qualquer luz que se acendesse em seu peito revelaria aos outros que fora um assassino. Pois os olhos dos homens viam, mesmo quando fechados.
    
     Decidiu que queria morrer. Seria melhor morrer. Buscou no horizonte a pedra mais alta. Agora sabia para onde marcharia. Não seria mais errante. Tinha um destino - palavra que este inventou. E foi.
**
     Enquanto subia, olhava para o chão. Via cada partícula de vida se mover. A água que escorria entre as árvores, parecia murmurar-lhe algo. Não entendia. Prosseguia. Serpentes o surpreendiam, teve de correr algumas vezes, sem entender bem o porquê. Ia em direção ao cume de suas angústias, parecia estar prestes a encontrar enfim seu lugar no mundo.      Quando finalmente chegou ao topo da pedra do ponto-mais-alto-da-própria-angústia, como nomeara no caminho, olhou para todos os lados. Deveria escolher o lugar onde deixaria de existir. Sentou-se pela ultima vez. Ao seu lado, na pedra, surgia água por um pequena fresta. Passou a observá-la. Era constante, jamais se interrompia aquele vazamento insistente. 
     Deitou então seu rosto ali, fez suas lágrimas misturarem-se com aquela água. Levantou a cabeça e mirou o caminho daquelas águas. Ao longe, via o rio. Mas não podia acreditar que toda aquela imensidão de águas brotaria daquela pedra, da fenda minúscula de onde a água insistia em nascer. Se fosse verdade, suas lágrimas haviam de fazer chorar toda a terra porque seria parte do grande rio. Talvez salgasse o mar. 
     Partilhara com o mundo uma parte do que sentiu e não pode nomear. Não a angústia que era sua. Mas aquilo que sentiu e não podia nomear. Angústia era sintoma. Era isso!
      Neste instante, percebeu. Aquela água poderia limpá-lo do sangue animal que havia secado em seu corpo. Mas, certamente, espalharia esse sangue rio abaixo. Era necessário escolher. Nasceu a dúvida. E espalhou-se por todos os lugares onde o rio corria, subiu pelas raízes das plantas, os homens banharam-se nela.
      Fez-se escuridão. O caminho para a pedra tornou inóspito. Ninguém ousaria subí-la. O silêncio que comunicava a paz entre os homens deu lugar às canções. Algumas fazem lembrar de como tudo era antes. Outras tantas, revelam que o mundo jamais voltará a ser como foi. Até os pássaros hoje cantam por cantar, presos por quem apreciava seu voo e se encantava com seu testemunho da vida dos homens.
    Depois disso, só uma sexta-feira é santa. Àquela em que o caminho para a pedra foi reaberto. Lá, a água continua a jorrar limpa e todos os homens podem deixar as lágrimas e as mazelas de uma vida de dúvidas e angústias. Poucos sobem até lá. O caminho é estreito, terrivelmente belo. Não é fácil. Ah, e muitos não acreditam, pois a dúvida está por toda parte: no leito dos rios, nas raízes das plantas e nos homens, que ao se banharem, sem saber, inundam-se nela...

Luiz Henrique, sexta-santa 2014
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Ancorei meu navio no teu porto!

""Querida, estou indo embora!" disse enquanto há abraçava sem saber se poderia vê-la de novo."
""Volte meu amor!" disse em lágrimas enquanto o via partir no horizonte."
"Durante essa viagem "Disfarça e chora" é minha trilha sonora, nunca que eu quis deixar aquela bela mulher desolada sem saber se eu voltaria."
"Entrei numa roubada, me apaixonei por um homem que sei que pode não voltar nunca mais. O coração é tão complexo, quem bate tanto, mais tanto na porta se torna dono dele, embora dura você seja."
"Tantas mulheres incríveis eu conheço em cada parada, mas nenhuma é capaz de aquecer meu coração com a minha donzela. Tantas mulheres com corações partidos, que passam por mim buscando alguém que possa aquece-las, é uma lástima não poder ajudar, pois eu já tenho um coraçãozinho que se levanta cedo todos os dias pra me abençoar com uma prece."
"O dono da melhor loja da cidade me sorrir com segundas intenções, fujo meu olhar, pois não tenho interesse em retribuir. "Uma bela moça igual a você, deveria está bem acompanhada. E se não tiver problemas, eu me ofereço, com gosto." E de novo eu o ignoro. "
"Na mesa de um bar, uma briga arrumei tudo por culpa de um empurrão sem querer no meio do bar."
"Nessa noite sem estrelas eu penso no meu amado. Será que volta? E se outra moça, mais bem vestida ele arrumar? Ai desse homem que não volte que eu vou busca-lo."
"Acordei o outro dia com gosto de sangue na boca, jogado em um beco sem nenhum centavo no bolso. Eu estava perdido, não lembrava de nada, fui a procura de meu navio caminhei por quase duas horas até encontrar um de meus tripulantes que estava à minha procura."
"Fui ao porto esperar por meu amado, de acordo com meu calendário ele deveria chegar por essas bandas hoje. A tarde caia e a noite chegava e meu amor não vinha."
"O que meras moedas de ouro não fazem, senti meus últimos minutos se arrastando quando percebi que fui traído. Observei todos ao meu redor, eles riam e bebiam de minha bebida como se estivessem comemorando, antes que pudessem terminar de me matar implorei por um último desejo que não foi aceito..."
"Dias e meses afins se passavam e meu amor não voltava, e um pressentimento ruim se passava em meu coração sempre que pensava sobre o assunto."
Todos os dias Clara ia para o porto esperar por seu amado que por maldade do destino nunca mais voltaria. Uns diziam que ela enlouqueceu, outros contavam histórias de que ela teria se envolvido com bruxaria, outros que ela havia vendido a alma e por isso sua penitência. Mas ninguém nunca soube que a aquela pobre mulher apenas esperava por um amor que não voltaria  que aquela mulher apenas não aceitava um fim, que aquela mulher tinha esperanças. Ah, o que o amor faz ao coração!
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Lar é...


É possível que lar seja uma pessoa e não um lugar?
Há muitos que definem lar como um lugar, uma casa, uma cidade, ou algo material. Lar pode ser tudo isso, mas com certeza, é muito mais. Não se prenda aos seus ensinos básicos. Feche os seus olhos, abra a sua mente e pense novamente em lar. A princípio, você deve estar com a imagem de um lugar, onde você mora, mas vá mais fundo, pense um pouco mais. O lar é o reflexo do seu coração.
Eu poderia definir alguém como o meu lar. Mas a vida é engraçada, e por algum motivo essa pessoa pode ir embora, e eu acho que ninguém deseja perder o seu lar. 
Durante a sua vida, você pode morar em vários lugares diferentes, ou apenas na mesma cidade, mas isso não significa que lar é aonde você está. Se lar e casa fossem a mesma coisa, eles não teriam nomes diferentes. Lar é onde sua mente está, lar é o seu mundo, o seu universo.
Eu gosto de pensar no mar, por causa da sua imensidade, da sua infinitude, e da sua liberdade. Isso me traz paz, e me mostra que lar, pode não ser apenas qualquer lugar, mas todo lugar.
Então você finalmente entende que lar não é um lugar. Lar é um sentimento, é paz, é poder estar mentalmente aonde você pertence, mesmo quando não é fisicamente possível. Lar, não é apenas onde o seu coração está, mas onde sua alma encontra paz. Lar é sempre onde você está. O meu lar está comigo, e eu o levo para onde for preciso.
Andressa Oliveira
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quando recheios e salgados alimentam mais que sua fome

Era uma daquelas lanchonetes em que o salgado é muito barato e o suco tem aquele sabor de água doce com alguma coisa.

O movimento não ia bem. Tava meio fraco. Talvez fosse o horário. Éramos em quatro ali, quietos. Trazíamos no rosto alguma forma de derrota e sabíamos disso. 

Cada um vive sua guerra e sobrevive como pode. Uns se refugiam em casa, internet, música alta, livros, transas, assaltos, lanchonetes, religião. O objetivo final é comum a todos nós, permanecer vivo de alguma forma.

Naqueles bancos giratórios buscávamos, um no outro, a vontade de preencher mais que o vazio da fome. 

Reconhecer que provavelmente estavam tão ferrados quanto eu era uma forma de alívio. No sofrimento alheio nos damos conta que não estamos sozinhos no mundo, mesmo que não tenhamos pra quem voltar no fim do dia. O silêncio era cruel. O vazio também. Tínhamos expressões graves. Estávamos cansados de ser comidos vivos pela vida.

Entre moscas e mordidas sentíamos a sensação de vitória por trucidar, nesse intervalo, alguma coisa que não fosse nossas vísceras.

Eramos cruéis com as esfirras e coxinhas da mesma forma que aquilo que habitava o lado de fora da lanchonete era com a gente.


Eu ainda estava mastigando, "ainda estou vivo", pensei. Estava menos lascado que o animal que morreu pra me alimentar. A diferença é que agora ele descansava em paz, enquanto minhas olheiras denunciavam a insônia maldita dessas semanas.


Ellion Montino
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Fotografias


Eu me lembro do meu primeiro contato com você. Nossos pais eram muito amigos e, até antes de você nascer, todos sabiam que seríamos muito amigos também. Quando eu tinha quatro anos você nasceu. Eu ainda era pequeno, mas sua mãe colocou você no meu colo e eu te segurei pela primeira vez. Eu não me lembro disso, mas amo ver a nossa primeira fotinho juntos. Eu vejo até hoje. Mamãe me conta que eu dei um beijinho na sua testa e que eu disse, na minha fala ainda difícil, que você seria minha amiga pra sempre. Hoje eu vejo que criança não mente. A partir daquela foto nossa amizade começou. A partir daquela foto mais fotos vieram. Eu te amo!

Fomos crescendo. Mamãe conta que a sua primeira palavra foi o meu nome. É claro que você devia emitir algum som parecido com Mateus. Mas foi a sua primeira palavra. Eu vejo também as fotos do meu aniversário de cinco anos. Você estava lá comigo pra soprar as velinhas. Eu já tinha cinco anos e você um. Mamãe também me mostrou uma foto em que eu estava chorando porque ganhei um galo na cabeça e você estava me abraçando. Como se estivesse cuidando de mim. Nossas mães deviam ter babado nesse dia. A gente vivia colado. Eu fui a todos os seus aniversários e você no meu. Sempre! Era feriado pras nossas famílias. O tempo foi passando e quando eu tinha catorze anos minha irmãzinha nasceu. Você já tinha dez, já era mocinha. Nós cuidávamos dela. A primeira palavra dela foi Rafa. Ah... Também tenho fotos de nós dois dando banho na Iza. Éramos eficientes! Ela gostava muito da gente.

Folheando as páginas do álbum que só tem foto nossa, vi uma em que estávamos chorando. Na foto eu estava de malas prontas partindo pra São Paulo. Meu curso preferido, que eu sempre quis fazer, e numa das melhores universidades do país, estava me esperando. Aquele dia foi triste. Sua mãe estava grávida. Seu irmãozinho ia nascer e nós não cuidaríamos juntos dele. Você só tinha 14 anos, mas a foto mostrava que você já tinha sua sensibilidade. Foi um dia muito triste. Disso eu me lembro. Você nem quis ir pro aeroporto comigo. Eu estava deixando Campo Grande, deixando minha família e, com muita tristeza, deixando você.

Tenho guardado aqui uma foto de um dos dias em que você foi me visitar. Você já tinha dezessete anos e veio sozinha passar uns dias pra ver como era a vida sem pai e mãe. Era frio em Sampa e estávamos enrolados numa coberta bem aconchegante, assistindo um filme divertido, com uma pipoca deliciosa que só o microondas sabia fazer. Então você me beijou. Durante o beijo não consegui pensar em nada, mas depois... A consciência ficou dividida. Ela pesava de um lado, mas parece que o outro lado da balança a igualava e tudo parecia normal. Eu pensei: “Poxa! Minha amiga de infância, que quando bebezinha eu peguei no colo, hoje me deu um beijo.” Parecia certo, parecia errado. Era bom, era ruim. A gente era muito próximo que parecia incesto. Mas não era. Com o tempo percebi que era o amor da minha vida. O beijo aconteceu como se nós dois já estivéssemos intencionados. E eu sei que eu estava. Depois do beijo eu te abracei bastante. Terminamos de assistir o filme bem agarradinhos. O filme terminou. E mais um beijo veio. E como somos apaixonados por foto tiramos uma foto do beijo também. Mas essa nós não mostramos pra ninguém.

Aquele dia foi gostoso, mas o dia de você ir embora já veio em seguida. Eu te levei no aeroporto e fui com você até onde eu podia. Antes de você entrar na sala de embarque eu disse, sem medo nenhum: “Eu te amo!” E te beijei. Você entrou na sala e eu chorei. Eu tirei uma foto minha chorando pra um dia te mostrar como era ruim estar longe de você. Eu fiquei na janela esperando a hora do seu vôo partir. O seu avião subiu e meu astral baixou. Foi triste a volta pra casa. Dirigi bem cuidadosamente pra nenhuma tragédia acontecer, mas meu semblante deixava nítida a minha tristeza. Cheguei em casa, peguei meu celular que havia esquecido em cima da televisão e nele tinha uma mensagem dizendo: “Eu também te amo! Um dia eu volto pra te buscar. Um dia você vai ser meu por todos os segundos do mundo. Beijo!

Eu já estava me formando e aquela tristeza toda passou porque recebi duas maravilhosas notícias: havia conseguido um emprego para dar aula numas das melhores escolas de São Paulo e a outra notícia era que você tinha passado no vestibular pra São Paulo. Quase morri de tanta felicidade! Os dias foram passando. Eu voltei pra Campo Grande pra sua formatura do Ensino Médio. Tiramos muitas fotos lá! Foi lindo! No mesmo mês toda nossa família foi pra Sampa. Agora pra minha formatura. Mais fotos. Nesse mesmo dia mais uma notícia boa: você ia morar na casa da sua tia que era do lado da minha. Você trouxe minha alegria pra sempre!

Aqui no álbum também tenho a foto do dia em que te levei pra faculdade. Era seu primeiro dia de aula e você estava muito nervosa. Eu já conhecia toda a universidade então te levei e fiquei esperando sua aula acabar pra sair junto com você pra comemorar seu primeiro dia. Fiz uma surpresa pra você! Eu te pedi em casamento! Pode parecer loucura pra muitos, mas eu sabia que ia casar com você. Começamos a namorar naquele dia. As atendentes trouxeram as flores que eu comprei pra você. E uma foto. A foto do dia em que peguei você no colo com uma pequena cartinha escrita no verso da foto. Você disse sim pra mim e nos beijamos. Aaah... As mulheres do restaurante tiraram foto de tudo.

O tempo foi passando. Vivemos juntos em São Paulo, cada um na sua casa, mas sempre juntos. Tudo foi dando certo. Ficamos noivos. Planejamos o casamento pra depois da sua formatura. Tudo foi dando certo. Nossa família que já era unida foi se unindo muito mais. Os dias iam passando, você louca porque tinha TCC e tinha muitas coisas pra organizar da festa. A gente já era um time e nós dois estávamos na artilharia. Os preparativos estavam no jeito.

Chegou o dia da sua formatura. Foi muito lindo! Você foi a oradora da turma e na sua fala você lembrou de mim. Chorei muito. Minha mãe também tirou foto disso. Eu estava de longe vendo você se tornando a engenheira mais linda do mundo. Eu comprei um presente de formatura pra você e engraçado que você comprou um pra mim também. Você me deu uma câmera profissional e nela estava gravado um vídeo dizendo: “Deixe gravado na história todos os nossos dias!”

O casamento chegou! Tudo foi como planejávamos. Você tinha vinte e três anos e eu vinte e sete. A cerimônia foi linda. Todo mundo estava chorando, eu tenho foto disso. Depois de dois “sim” nós estávamos casados. Eu te peguei no colo, como no dia em que você nasceu, e te beijei, mas agora como seu esposo. FOTOS!

Os dias ao seu lado foram se tornando cada vez mais incríveis. Estávamos ali. Jovens, empregados, lindos e felizes. A nossa casa estava cheia de fotos. Foto pra todos os lados. Álbuns em todos os armários. Queríamos todas as lembranças. Fizemos um, dois, três, quatro, cinco anos de casado e veio a notícia mais incrível do mundo: ESTÁVAMOS GRÁVIDOS! Que alegria! Eu tirava foto da sua barriga todos os dias. Os dias foram passando e no sexto mês de gravidez tivemos uma triste notícia: era uma gravidez de risco. Não sei explicar ao certo o que estava acontecendo, mas podíamos perder o nosso bebê. Estávamos tristes, aflitos, sem fotos nesse momento. O médico nos aconselhou a tomarmos alguns cuidados e fomos fazendo tudo direitinho. Mas no mês seguinte você precisou ser levada urgentemente para o hospital. Eu estava no trabalho e lá recebi um telefonema do meu pai avisando que você foi levada passando muito mal ao hospital. Fui correndo pra lá. Desesperado. Cheguei lá correndo. Nossos pais estavam todos lá. Procurei pessoas que me dissessem ao certo o que estava acontecendo, mas ninguém soube afirmar nada pra mim. Mas papai me dizia bem tranqüilo: “vai dar tudo certo filhão!” Derrepente, um médico saiu da sala e veio em nossa direção e eu já o interrompi perguntando se estava tudo bem. E ele, bem tranqüilo, mas não empolgado, disse: “A criança passa bem. O parto foi difícil, mas ela está bem.” Isso não me acalmou por que eu sabia que ele ainda tinha mais uma informação pra me dar. Então ele prosseguiu: “Mas infelizmente a Rafaelle se foi”.

Cai em lágrimas no chão. Eu consegui conter os gritos, mas não continha a minha tristeza nem as lágrimas. A minha amiga, companheira babá, namorada, esposa, morreu. Foi doído. Eu nem tive a chance de pegá-la no colo mais uma vez. O tempo não passava. Eu nem pensei em fotos naquele momento. A vida levou minha vida. E minhas lágrimas levaram meu coração junto. Tudo se foi. Tudo estava acabado. Você não estava mais aqui. Demorei muito tempo pra me recuperar disso. Só o que me animava era ver a nossa pequena Rafaelle crescendo. Eu vivia falando de você pra ela. A primeira palavra dela foi mamãe.


Eu queria você aqui comigo. Já se foram cinco aniversários dela. Você ia amar organizar todos. Você ia amar ver a nossa filhinha crescendo. Mas não. Você não está mais aqui. Mas eu vejo você em tudo. Nunca me esqueço de você. Eu penso em você quando coloco a Rafa pra dormir. Quando leio histórias pra ela. Quando a levo pra escolinha. Mas também te vejo nas fotos que eu tenho guardadas. Eu sei que você não lerá essa carta, mas vou tirar uma foto dela e deixar guardada. Pra poder lembrar do quanto eu gosto de fotos e do quanto eu amo você. Eu ainda te amo e vou ser seu amigo pra sempre como um dia eu prometi.


Diego Luque
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110 anos - Rascunho


RASCUNHOS DE UMA FICÇÃO:

E se...  As alternativas são armadilhas que te prendem ao passado. E essa história começa assim. 

Era domingo, como toda semana, de todo mês, de todo ano. Mas sempre levava a sensação de que podia ser diferente. Ora, diferente... Impossível alterar a ordem cósmica.

Mas encontros inesperados sempre acontecem. Inesperados para nós. Óbvios para o universo. Enquanto planeja-se uma ação, outros são impelidos a agir. Porque,  então, estariam sempre na mesma condução, mesmo em horários diferentes? Tudo bem que poucos trabalham aos domingos, mas não parecia lógico.

Os dois nasceram no mesmo dia 11 de abril de 1904. Os olhos, pretos, como estivessem dilatados. Um andar parecido, ele dificuldades com a perna esquerda, ela, com o joelho direito aos cacos. Mas isso só percebi depois do quinto desencontro entre os dois.

Ela subia com dificuldades no coletivo, fazendo o operador esperar por quase 4 minutos. Quatro paradas à frente, ele subia e demorava outros 4 minutos. Ninguém reclamava. Afinal, era domingo. Aos domingos, tudo fica mais demorado.

Ela descia primeiro. Jamais trocaria olhares com outro passageiro, pois os olhos fitavam, com uma fé inabalável, o próximo degrau. Ele fingia ser indiferente a tudo e a todos; aprendera que homem tem de ser sisudo, sério, e até mau, se preciso for.

Seus pais se conheceram na maternidade, no dia em que seus filhos vieram ao mundo. Um mundo que, até então, não amanhecera em guerra.

Tantos anos depois, pareciam estar condenados à vida, porquanto ignoravam o destino que lhes fora imposto. E se o encontro acontecesse, enfim, morreriam?!
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enquanto o farol não fica verde eu digo que te amo

No celular toca uma música das minhas bandas que você diz que não conhece
O trânsito é lento e é apenas 7h da manhã
Nos carros vejo pessoas de expressão séria
Estão sozinhas
Em alguns carros existem mais de uma pessoa
Mesmo assim estão sozinhas


7h da manha parece não haver humor
Apenas olhos fixos no concreto 
e no carro da frente 
que sempre demora para arrancar

O sol doura minha pele
Aquece meu banco
Volante
Painel
Perna
Braços
Mãos
Corpo
O sol queima minha pele
Queima a esperança de que ele sumirá em alguma nuvem

Em cada farol parece que uma estrofe é destinada a você
Em algum ônibus indo para Lapa você é lembrada
Mas não sabe disso
Rodeada de estranhos que não sabem seu nome
Rodeada pelo silêncio até descer em seu destino
Rodeada por pensamentos que invadem sua mente nessa manhã quente
Que ferve o sangue sem que notemos.

Seu ônibus não é esse que está do meu lado
Você não está entre as pessoas que me olham pelo vidro
Você nem sequer sabe que é lembrada
Pensada
Desejada
Querida
Amada
E outras coisas mais nessa manha quente de terça-feira
Em que o sangue ferve sem que notemos

Assopro minha pele na intenção de ter um frescor mesmo que rápido
O transito me deixa longe de lugares que são pertos
Não há frescor
Não há rotas alternativas
Não há ar-condicionado
Não há papel para abanos
Há meu sopro que não resolve muito
Há o sol que castiga pela manhã
Há o transito que talvez também a deixe parada
Há meu pensamento que te traz nesse asfalto quente
Há meus olhos que brincam de te procurar nas janelas dos ônibus
Há essa minha distração viciada em qualquer coisa sua

O celular vibra
Uma mensagem
Seu nome na tela
Um frescor melhor que meu sopro
Um alívio melhor que uma sombra
Um sorriso melhor que meu tédio

Entre estrofes você aparece
Como prece atendida
Como quem recebeu pensamentos por telepatia
Como quem sentiu saudades e diz isso num oi

Enquanto o farol não fica verde, eu digo que te amo
Enquanto o movimento não se realiza, eu digo que te amo
Enquanto motoristas buzinam, eu digo que te amo
Enquanto jovens distribuem balas, eu digo que te amo
Enquanto meu carro se enche de papel, eu digo que te amo
Enquanto estranhos atravessam na faixa, eu digo que te amo
Enquanto meu mundo se manifesta diante de mim, eu digo que te amo

E atrás de uma tela de celular você não faz idéia do que acontece comigo
Atrás de uma tela de celular você fica mais perto de mim do que alguém sentado ao seu lado
Enquanto eu me derreto pelo sol
E esse sangue fervendo sem que notemos
Transpira em forma de palavras escritas 
em estrofes sem padrões
enquanto o farol não fica verde.


Ellion Montino
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Posso Estar Ajudando?

- Alô?
- Serviço especializado da Brasil Telecom, Adriana, bom dia! Em que posso estar ajudando?
- Você pode me informar que horas são?
- Com quem estou falando?
- Roberto.
- Então, senhor Roberto, esse setor não faz esse tipo de serviço, mas vou estar transferindo para um de nossos atendentes que vão estar lhe informando a respeito. Mais alguma coisa?
- Eu só quero uma coisa. Que horas são?
- É como estava dizendo, seu Roberto. Vou estar transferindo o senhor para um outro setor. Mais alguma coisa?
- Moça. Adriana, certo?
- Isso.
- Você está com relógio?
- Claro senhor. Em que posso estar ajudando?
- Esteja olhando e por favor esteja me informando que horas são.
- Senhor Roberto, como já disse, o meu setor não pode estar passando esse tipo de informação. Mas eu estarei transferindo o senhor para o setor apropriado. Posso estar ajudando em mais alguma coisa?
- Adriana, por favor, fala que hora está marcando no seu relógio.
- Eu não posso estar fazendo esse tipo de informação.
- O seu relógio é digital?
- Não senhor, não é.
- Você sabe ver as horas em relógio de ponteiro?
- Claro senhor Roberto.
- Então me informe as horas, por favor.
- TUDO BEM! EU NÃO SEI VER AS HORAS NO RELÓGIO DE PONTEIRO.
- Calma Adriana, as coisas não estão perdidas assim. Você está vendo 3 ponteiros no seu relógio, correto?
- Sim, estou vendo.
- Tem um ponteiro grande, um pequeno, e um que se movimenta a cada segundo, correto?
- Sim senhor.
- Esse que movimenta a cada segundo é o ponteiro dos segundos. Esqueça dele. Preste atenção no ponteiro das horas, ou seja, o pequeno.
- Estou prestando.
- Pra que número o ponteiro das horas está apontando?
- Ele está apontando pro número 10. Está pouquinho a frente, mas está apontando para o número 10.
- Muito bem, Adriana. Muito bem. E o ponteiro maior? O dos minutos? Pra onde está apontando?
- Ele está entre o número 2 e o 3.
- Bem no meio deles?
- Sim, senhor.
- Muito bem. Então são 10:13. Muito obrigado, Adriana.
- De nada, senhor Roberto. Em que mais posso estar ajudando?
- Em mais nada. Muito obrigado.
- Tudo bem. Estarei desligando. A Brasil Telecom agradece. Tenha um ótimo dia!
...
- Alô?
- Serviço especializado da Brasil Telecom, Adriana, boa tarde! Em que posso estar ajudando?
- Adriana? Oi! Aqui é o Roberto. Tudo bem?
- Oi senhor Roberto. Tudo sim. Em que posso estar ajudando?
- Você pode mais uma vez me informar que horas são?
- 16:45.
- Olha só Adriana. Aprendeu muito rápido a ver as horas é?
- Não senhor Roberto. Eu estive comprando um relógio digital!

Diego Luque