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sou homem, sou bicho, sou monstro

Meu passado? Meu passado comporta tudo! Nele cabem todas as coisas que não vingaram... Nele estão todas as sementes que não morreram e deixaram de produzir vida... Frutos... Alimento.

Meu presente é insuportável!! Nele está a realidade dura, fria e desumana. Não sou homem, sou bicho, sou Diógenes de Sínope, conhece? É o único filósofo que se parece comigo. Já ouviu falar? A diferença entre nós é que a situação dele foi escolha e a minha foi... a minha foi... não lembro doutô, não lembro como cheguei aqui.

Mentira, eu lembro, mas me engano, ou melhor, finjo doutô. Finjo que me engano para fingir que me esqueço.

Me engano porque fujo, me engano porque quero esquecer. Mas a lembrança é igual fome, quando a gente materializa no pensamento dói e eu não quero mais doer. Então bebo água pra passar...a fome, claro. Mas bebo a marvada pra passar a lembrança. Eu bebo para não doer.

Minha cama é de concreto. Meu teto é feito de nuvens que também não tem onde morar. Meu cobertor é o jornal e essa manta com cheiro de mijo e de merda. Meu restaurante é self service, o cardápio é variado é só saber procurar bem nos lixos que existem por aqui. Meu presente é insuportável doutô. Não sou Atlas e nem quero tentar.

Mas olha, meu futuro é expansivo... tão grande como minhas ilusões que acreditam que nele cabe tudo o que eu queira. Minhas ilusões forram meu prato vazio. No meu prato vazio e no meu vazio, doutô, cabem todas as coisas... a fome, a dor, a mágoa e o olhar que mira o futuro que não comporta meu presente; o meu futuro que se esvazia do que me completa hoje, a miséria.

Eu posso falar, tenho voz, mas há anos não a uso. Não por falta de vontade, mas por falta de ouvinte. Sou fedido doutô; sou sujo doutô; sou feio. Eu afasto, eu assusto. Eu não sou bicho, eu sou monstro...

Os acenos que dou voltam tão vazios como esse prato aqui, óh... Não gosto da conjunção “como” porque ele come enquanto eu padeço.

Sou instruído doutô! Viver na rua não nos deixa ignorantes, nos deixa invisíveis.

Hoje peguei meu saco preto de catar latinha e fui catar latinha.

Era 13h04 naquele grande relojão. Num lixo, em frente a um restaurante, aquele cheiro fazia meu estomago falar bem alto.

Pela janela eu vi o prato daquela moça.


Do lado de cá, do lado de fora, do lado do lixo não era minha boca que se enchia de água, eram meus olhos!

Ellion Montino

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