Aconteceu
quando eu fui deixar meu prato na pia da cozinha. Não tenho o costume de jogar
a sobra no lixo, apesar da minha mãe já ter feito todas as ameaças possíveis.
Havia
um silêncio naquela tarde, naquele espaço, naquela pia, naquela hora.
O lixo,
pequeno e redondo, que geralmente fica próximo e no chão, trazia um som baixo
dentro de si. Asas, pensei, asas se debatendo contra a sacola plástica. Era um
som angustiante. Era uma mosca querendo se livrar de onde havia se metido. Era
uma súplica ritmada: zunido e uma pausa curta. Talvez as pausas se davam pelo cansaço do esforço
em se debater sem obter sucesso ou liberdade.
Moscas
se cansam? Eu ri e me agachei.
Ali
estava a vida à beira de uma morte lenta e sufocante. É esse o fim trágico da
irracionalidade, pensei, moscas são estúpidas.
No
lixo ela alcançou o auge de sua busca, de sua fome, de sua sede, de sua
necessidade. Foi atrás do que queria sem pensar, sem medir, sem a razão, sem a
lógica, cegada pela vontade de consumir ou de sobreviver. Parei de sorrir. De repente
entendi que a gente também faz o mesmo, que nossos cestos de lixos são outros e
que também nos debatemos, incansavelmente, dentro de espaços que nos sufocam
por conta da mesma busca e necessidade que atraiu a mosca para o seu fim.
Também somos estúpidos.
Levantei.
Peguei meu prato e joguei o resto da comida no lixo. Não ouvi mais as asas se
debatendo e pensei: um dia acontecerá o mesmo comigo?
Ellion Montino
0 comentários: