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Fotografias


Eu me lembro do meu primeiro contato com você. Nossos pais eram muito amigos e, até antes de você nascer, todos sabiam que seríamos muito amigos também. Quando eu tinha quatro anos você nasceu. Eu ainda era pequeno, mas sua mãe colocou você no meu colo e eu te segurei pela primeira vez. Eu não me lembro disso, mas amo ver a nossa primeira fotinho juntos. Eu vejo até hoje. Mamãe me conta que eu dei um beijinho na sua testa e que eu disse, na minha fala ainda difícil, que você seria minha amiga pra sempre. Hoje eu vejo que criança não mente. A partir daquela foto nossa amizade começou. A partir daquela foto mais fotos vieram. Eu te amo!

Fomos crescendo. Mamãe conta que a sua primeira palavra foi o meu nome. É claro que você devia emitir algum som parecido com Mateus. Mas foi a sua primeira palavra. Eu vejo também as fotos do meu aniversário de cinco anos. Você estava lá comigo pra soprar as velinhas. Eu já tinha cinco anos e você um. Mamãe também me mostrou uma foto em que eu estava chorando porque ganhei um galo na cabeça e você estava me abraçando. Como se estivesse cuidando de mim. Nossas mães deviam ter babado nesse dia. A gente vivia colado. Eu fui a todos os seus aniversários e você no meu. Sempre! Era feriado pras nossas famílias. O tempo foi passando e quando eu tinha catorze anos minha irmãzinha nasceu. Você já tinha dez, já era mocinha. Nós cuidávamos dela. A primeira palavra dela foi Rafa. Ah... Também tenho fotos de nós dois dando banho na Iza. Éramos eficientes! Ela gostava muito da gente.

Folheando as páginas do álbum que só tem foto nossa, vi uma em que estávamos chorando. Na foto eu estava de malas prontas partindo pra São Paulo. Meu curso preferido, que eu sempre quis fazer, e numa das melhores universidades do país, estava me esperando. Aquele dia foi triste. Sua mãe estava grávida. Seu irmãozinho ia nascer e nós não cuidaríamos juntos dele. Você só tinha 14 anos, mas a foto mostrava que você já tinha sua sensibilidade. Foi um dia muito triste. Disso eu me lembro. Você nem quis ir pro aeroporto comigo. Eu estava deixando Campo Grande, deixando minha família e, com muita tristeza, deixando você.

Tenho guardado aqui uma foto de um dos dias em que você foi me visitar. Você já tinha dezessete anos e veio sozinha passar uns dias pra ver como era a vida sem pai e mãe. Era frio em Sampa e estávamos enrolados numa coberta bem aconchegante, assistindo um filme divertido, com uma pipoca deliciosa que só o microondas sabia fazer. Então você me beijou. Durante o beijo não consegui pensar em nada, mas depois... A consciência ficou dividida. Ela pesava de um lado, mas parece que o outro lado da balança a igualava e tudo parecia normal. Eu pensei: “Poxa! Minha amiga de infância, que quando bebezinha eu peguei no colo, hoje me deu um beijo.” Parecia certo, parecia errado. Era bom, era ruim. A gente era muito próximo que parecia incesto. Mas não era. Com o tempo percebi que era o amor da minha vida. O beijo aconteceu como se nós dois já estivéssemos intencionados. E eu sei que eu estava. Depois do beijo eu te abracei bastante. Terminamos de assistir o filme bem agarradinhos. O filme terminou. E mais um beijo veio. E como somos apaixonados por foto tiramos uma foto do beijo também. Mas essa nós não mostramos pra ninguém.

Aquele dia foi gostoso, mas o dia de você ir embora já veio em seguida. Eu te levei no aeroporto e fui com você até onde eu podia. Antes de você entrar na sala de embarque eu disse, sem medo nenhum: “Eu te amo!” E te beijei. Você entrou na sala e eu chorei. Eu tirei uma foto minha chorando pra um dia te mostrar como era ruim estar longe de você. Eu fiquei na janela esperando a hora do seu vôo partir. O seu avião subiu e meu astral baixou. Foi triste a volta pra casa. Dirigi bem cuidadosamente pra nenhuma tragédia acontecer, mas meu semblante deixava nítida a minha tristeza. Cheguei em casa, peguei meu celular que havia esquecido em cima da televisão e nele tinha uma mensagem dizendo: “Eu também te amo! Um dia eu volto pra te buscar. Um dia você vai ser meu por todos os segundos do mundo. Beijo!

Eu já estava me formando e aquela tristeza toda passou porque recebi duas maravilhosas notícias: havia conseguido um emprego para dar aula numas das melhores escolas de São Paulo e a outra notícia era que você tinha passado no vestibular pra São Paulo. Quase morri de tanta felicidade! Os dias foram passando. Eu voltei pra Campo Grande pra sua formatura do Ensino Médio. Tiramos muitas fotos lá! Foi lindo! No mesmo mês toda nossa família foi pra Sampa. Agora pra minha formatura. Mais fotos. Nesse mesmo dia mais uma notícia boa: você ia morar na casa da sua tia que era do lado da minha. Você trouxe minha alegria pra sempre!

Aqui no álbum também tenho a foto do dia em que te levei pra faculdade. Era seu primeiro dia de aula e você estava muito nervosa. Eu já conhecia toda a universidade então te levei e fiquei esperando sua aula acabar pra sair junto com você pra comemorar seu primeiro dia. Fiz uma surpresa pra você! Eu te pedi em casamento! Pode parecer loucura pra muitos, mas eu sabia que ia casar com você. Começamos a namorar naquele dia. As atendentes trouxeram as flores que eu comprei pra você. E uma foto. A foto do dia em que peguei você no colo com uma pequena cartinha escrita no verso da foto. Você disse sim pra mim e nos beijamos. Aaah... As mulheres do restaurante tiraram foto de tudo.

O tempo foi passando. Vivemos juntos em São Paulo, cada um na sua casa, mas sempre juntos. Tudo foi dando certo. Ficamos noivos. Planejamos o casamento pra depois da sua formatura. Tudo foi dando certo. Nossa família que já era unida foi se unindo muito mais. Os dias iam passando, você louca porque tinha TCC e tinha muitas coisas pra organizar da festa. A gente já era um time e nós dois estávamos na artilharia. Os preparativos estavam no jeito.

Chegou o dia da sua formatura. Foi muito lindo! Você foi a oradora da turma e na sua fala você lembrou de mim. Chorei muito. Minha mãe também tirou foto disso. Eu estava de longe vendo você se tornando a engenheira mais linda do mundo. Eu comprei um presente de formatura pra você e engraçado que você comprou um pra mim também. Você me deu uma câmera profissional e nela estava gravado um vídeo dizendo: “Deixe gravado na história todos os nossos dias!”

O casamento chegou! Tudo foi como planejávamos. Você tinha vinte e três anos e eu vinte e sete. A cerimônia foi linda. Todo mundo estava chorando, eu tenho foto disso. Depois de dois “sim” nós estávamos casados. Eu te peguei no colo, como no dia em que você nasceu, e te beijei, mas agora como seu esposo. FOTOS!

Os dias ao seu lado foram se tornando cada vez mais incríveis. Estávamos ali. Jovens, empregados, lindos e felizes. A nossa casa estava cheia de fotos. Foto pra todos os lados. Álbuns em todos os armários. Queríamos todas as lembranças. Fizemos um, dois, três, quatro, cinco anos de casado e veio a notícia mais incrível do mundo: ESTÁVAMOS GRÁVIDOS! Que alegria! Eu tirava foto da sua barriga todos os dias. Os dias foram passando e no sexto mês de gravidez tivemos uma triste notícia: era uma gravidez de risco. Não sei explicar ao certo o que estava acontecendo, mas podíamos perder o nosso bebê. Estávamos tristes, aflitos, sem fotos nesse momento. O médico nos aconselhou a tomarmos alguns cuidados e fomos fazendo tudo direitinho. Mas no mês seguinte você precisou ser levada urgentemente para o hospital. Eu estava no trabalho e lá recebi um telefonema do meu pai avisando que você foi levada passando muito mal ao hospital. Fui correndo pra lá. Desesperado. Cheguei lá correndo. Nossos pais estavam todos lá. Procurei pessoas que me dissessem ao certo o que estava acontecendo, mas ninguém soube afirmar nada pra mim. Mas papai me dizia bem tranqüilo: “vai dar tudo certo filhão!” Derrepente, um médico saiu da sala e veio em nossa direção e eu já o interrompi perguntando se estava tudo bem. E ele, bem tranqüilo, mas não empolgado, disse: “A criança passa bem. O parto foi difícil, mas ela está bem.” Isso não me acalmou por que eu sabia que ele ainda tinha mais uma informação pra me dar. Então ele prosseguiu: “Mas infelizmente a Rafaelle se foi”.

Cai em lágrimas no chão. Eu consegui conter os gritos, mas não continha a minha tristeza nem as lágrimas. A minha amiga, companheira babá, namorada, esposa, morreu. Foi doído. Eu nem tive a chance de pegá-la no colo mais uma vez. O tempo não passava. Eu nem pensei em fotos naquele momento. A vida levou minha vida. E minhas lágrimas levaram meu coração junto. Tudo se foi. Tudo estava acabado. Você não estava mais aqui. Demorei muito tempo pra me recuperar disso. Só o que me animava era ver a nossa pequena Rafaelle crescendo. Eu vivia falando de você pra ela. A primeira palavra dela foi mamãe.


Eu queria você aqui comigo. Já se foram cinco aniversários dela. Você ia amar organizar todos. Você ia amar ver a nossa filhinha crescendo. Mas não. Você não está mais aqui. Mas eu vejo você em tudo. Nunca me esqueço de você. Eu penso em você quando coloco a Rafa pra dormir. Quando leio histórias pra ela. Quando a levo pra escolinha. Mas também te vejo nas fotos que eu tenho guardadas. Eu sei que você não lerá essa carta, mas vou tirar uma foto dela e deixar guardada. Pra poder lembrar do quanto eu gosto de fotos e do quanto eu amo você. Eu ainda te amo e vou ser seu amigo pra sempre como um dia eu prometi.


Diego Luque

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