Tem dias que você sai de casa para ser
contrariado. Você planeja e não dá certo. Programa a agenda e perde os horários
tendo que modificar todos os compromissos. Precisa urgente do ônibus e não consegue
entrar porque está lotado. Quando finalmente senta na cadeira de onde trabalha
e decide focar no trabalho, pra esquecer a manhã que já começou ótima, aparecem
erros que você não sabe de onde vieram cometidos não se sabe por quem, mas que
precisam de alguém que pague por eles e obviamente o escolhido é você. Pois é,
hoje foi assim.
A primeira coisa que passa na sua cabeça é:
Ainda não é nem 9h da manhã e eu não to querendo pagar pra ver o resto do dia.
E sobre esse dia em específico eu posso dizer que paguei e me custou 50 centavos.
Não preciso nem descrever como foi o
restante da manha e da tarde. Basta você pensar em todas as coisas possíveis e
imagináveis pra ferrar com seu dia e depositar na minha conta. Café derramado
na roupa, privada entupida, cartão bloqueado sem motivo e uma fila enorme pra
pagar o almoço e você só com uma moeda no bolso, reunião com sua equipe e o índice
de desenvolvimento ser baixo e você se sentir o responsável por aquilo,
elevador parado aguardando reabastecimento de energia... Celular caindo e
trincando a tela, e o famoso clichê do carro que passa numa possa e o fim você já
sabe.
No final do expediente decidi ir para casa.
Do jeito que estava a coisa era bem provável eu ser abduzido, atingido por um
meteoro ou lixo espacial, ter dois raios caindo no mesmo lugar mais de 12
vezes... ir para casa era o mais seguro.
Na dobra da esquina, com o fone na mão e de
cabeça baixa, pra ver se a vida não me reconhecia pelas ruas e continuar me
aloprando, um cara passou por mim. Ele passou e senti que parou. Pensei: vida,
sua desgraçada. Então o cara voltou e parou na minha frente. Era desses malucos
da rua e pensei que pelo dia que estava levando esse era o final mais óbvio e
eu pensando em aliens e meteoros. Sou mesmo um ingênuo.
Tirei os fones do ouvido. Ele pedia um
trocado, me olhava com olhos cansados de quem ainda tenta se esforçar ao máximo
pra convencer o outro. Meti a mão no bolso e peguei a única moeda que tinha
ali. Com uma mão ele segurou meu braço e com a outra ele segurou a moeda. Seu
semblante havia ficado sério e agora era um outro tipo de olhar que ele me
dirigia. Fiquei quieto e assustado, do jeito que a gente fica quando se pode
esperar por qualquer coisa a qualquer momento. Então ele começa a dizer:
“pessoas vao e vem, é a teoria mais
absoluta que vivo...
A vida é uma mulher de vermelho que deixa
surpresas no caminho...ora bons, ora ruins.
A estrada nem sempre esteve lisa e
completamente asfaltada...
No escuro também achamos outros tateando...
A luz vem sempre no fim do túnel, e às
vezes é o contrário, no final da luz o túnel nos engole, então é bom sempre ter
uma lanterna...
No silêncio ouvimos o eco dos próprios
gritos...
A inquietude nos movimentando, mesmo que
num leve aceno a distância...
A busca nunca será finita...
A bússola nem sempre mostra o X do mapa...”
Ele pegou a moeda e saiu correndo. Eu
fiquei parado por uns instantes tentando absorver aquilo. Foi a única vez que
não me senti dando esmola ao dar uma moeda. Eu havia pago por conselhos? Tudo
bem, pensei, 50 centavos investidos em palavras.
Ah, e se você acha que isso faz a história
terminar com um toque de mágica do tipo que vemos nos desenhos da Disney, onde
meu dia então se transforma e todos ficam felizes você está enganado e anda
assistindo muitos filmes de Hoolywood.
Cheguei em casa e descobri que a chave
ficou na gaveta do escritório e agora eu não tinha nem 50 centavos pra tomar
uma ardente na padoca.
Ellion Montino
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