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Os Substitutos

"Sento numa beira qualquer daquele velho e mesmo ponto de ônibus, com aquele ar de não estar onde se está. Acho que você já sentiu isso.
Um alarme de loja apita. Um carro acaba de fechar um outro. Buzinas. Xingamentos. Dedo do meio. Um casal discute em pé no meio do nada. O pipoqueiro acaba de ganhar mais dois reais. O guarda da guarita cochila. Nos vidros dos ônibus que passam, rostos sem expressão olham pra fora, mas enxergam outras coisas, coisas que eu não enxergo.
A noite está boa, fresca, vazia, cheia, entediante.
Levanto e parto para outra caminhada. Parece que o corpo se recusa a ficar inerte por aqui e vai meio sem rumo, mas sabendo que precisará parar em um outro velho e mesmo ponto de ônibus. Ando e digito. Ando teclando, é um novo jeito de andar hoje em dia, e eu que já fui feliz por andar de um pé só.
Parece que meus passos se conduzem sós e os dedos substituem a boca, falando por teclas para olhos que substituem ouvidos. Estamos na era dos substitutos. Na era em que coisas que eram pra ter uma função começam a aderir a outras funções. Não, não reclamo e nem condeno, apenas acho interessante. Nas conversas de chat costumo rir quando leio “pode falar?” “deixa eu lhe contar uma coisa” desculpa, acho que você não está afim de me ouvir desabafando, né” e tudo isso fazemos de boca fechada, sentados, ouvindo qualquer coisa menos a voz da pessoa do outro lado, sentindo qualquer coisa menos o calor humano na sua frente, olhando qualquer coisas menos um par de olhos, que em conversas feitas na realidade também tendem a dizer muitas coisas. Acho tudo isso muito divertido. Estranho. Quer dizer, pra mim é ótimo, me poupa o trabalho de disfarçar meus acanhamentos, minha vermelhidão facial, minha dificuldade em articular palavras, meu jeito patético de um cara retraído. Já falei que amo a tecnologia? Óh tecnologia, bendita sois vós entre pessoas da minha ralé, amém!
Aqui no mundo real, na rua, as coisas são diferentes. Aqui não tenho como disfarçar para mim minhas crises. Não tenho abas por onde fugir. Não consigo mandar meus olhos ficarem quietos e pararem de observar o mundo a minha volta. Não consigo parar meus pensamentos e minha consciência que me apontam minhas limitações interpessoais e todas minhas dificuldades reais. Aqui não consigo fazer metade do que sou capaz no mundo virtual. Mas também não reclamo. Eu amo minhas crises. Temos um certo xodó um pelo outro. Quem não tem crises vive apenas de teoria, achismos. Quem não tem crises nunca sentiu na pele, não tem marcas, não carrega consigo uma experiência por mais mínima que seja. Quem não tem crises nunca olhou de verdade pra si mesmo, nunca se confrontou, nunca questionou suas verdades, nunca se fez as perguntas certas. Quem não tem crises é um ignorante com vida e que também tem o direito de andar por ai. Quem não tem crises é feliz pra caramba e nem sabe! Sim, às vezes eu desejo ser um grande ignorante, alienado, que passa pela vida sem questionar nada a sua volta e vive segundo os preceitos do que é ditado e imposto por terceiros. O conhecimento às vezes é uma droga! Acredite.."


Ellion Montino

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