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me trai comigo

Não havia mais nada que eu pudesse fazer. O tipo de controle que eu gosto já não estava na minha mão. O problema nessas horas é que você acredita que a resolução depende só de você e era isso que me irritava, não ver opções ou caminhos.

Eu não sabia mais o que ela precisava. Ela ficava calada sem dizer ou explicar.

Eu perguntava se eu havia deixado faltar algo, qualquer coisa, ela dizia “agora não, Ellion” e teimava em continuar procurando coisas que a alimentassem fora de mim. Não havia mais suficiência em nós.

Tudo causava tédio nela, meus livros, minhas músicas, os filmes, seriados, textos, saídas. As conversas se tornaram blasés, superficiais e eu não entendia como isso era possível.  Éramos grandes juntos.  O mundo era tão pequeno diante das coisas que sonhávamos. Havia algo na nossa trama que nunca soubemos explicar e nem perdíamos tempo com isso, apenas éramos e isso bastava. Ela possuía um charme fatal. Havia desejo, troca, havia espaço pra nos perdemos no nosso emaranhado. Havia o receio do tempo tão curto e fugaz. Havia planos e rabiscos para não desperdiçarmos nada que fluísse de nós.

“será que eu e você podemos fazer alguma coisa para aceitar que a vida seja tão breve?”

Era o que costumávamos nos perguntar.

Sinceramente, não sei como chegamos aonde chegamos. Nossas asas eram de cera, talvez, e agora estávamos em queda livre.

Amigos, nessas horas, geralmente dão os piores conselhos. Os que mais predominaram diziam que eu precisava achar outra que me completasse, outra que me devolvesse o que achavam que perdi. Eu me recusava a aceitar as coisas simplesmente dessa forma. Recusava-me a trocá-la, a romper, a deixá-la ir. Não conseguia pensar nessa possibilidade, aliás, essa nem era uma possibilidade.

Cheguei a ouvi-la dizer que sou insuportável e que ela só precisava de um meio para fugir e que nos deixasse vivos e inteiros. Uma chance e ela o faria sem titubear. Ela só queria um jeito fácil de acabar com as coisas para cada um seguir adiante. Eu dava risada. Explicava que era impossível. Ela se frustrava, debochava e dizia que as coisas iriam continuar como estavam, que dela não emanaria esforço algum por nós dois e que ela não sentia nada a me ver tentando, insistindo.

Comecei a incentivar sua busca e sua quebra. Era como se ela estivesse diante de um precipício sem saber se pulava, então eu empurrei e pulei para cairmos juntos.

“Se você falhar, volta pra casa, já tanto faz, vai me encontrar sorrindo pra te enfeitar. Se nada funcionar, volta pra casa... vai me encontrar sorrindo pra te estancar!”

Percebendo-se livre, ela parou de me culpar. Assumiu seus anseios e foi!

Uma vez ela chegou chorando, sentindo-se perdida, sem saber quem era, olhos vazios. Pediu para eu não falar nada. A lágrima era quente e escorria com freqüência. Levantei, peguei uma folha de um bloquinho, escrevi e grudei na geladeira. Decretei o que ela faria:

“ME TRAI COMIGO!”


Ela sorriu, enxugou o rosto e disse “tudo bem, eu paro e volto”. Não dissemos mais nada, mas sentimos um alívio que há tempos não sentíamos. Dormimos juntos. Acordamos juntos. Permanecemos juntos. Eu e a minha Alma.

Ellion M.

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