Eu não sei
como vou contar minha vida, minha história quando eu tiver 53 anos. Não sei com
que olhar irei ver meu passado que acontece agora. Não sei que narrativas farei
das frustrações que molham meus olhos nesse momento e apagam alguns sonhos. Não
sei com que entonação de voz contarei aos novos amigos, agregados familiares e
ao público, em 2041, sobre os caminhos que esses pés percorrem agora. Não sei
com que alegria ou pesar irei partilhar com os velhos amigos sobre a
importância, ou não, dos fatos presentes no dia de hoje.
Eu não tenho a
menor idéia do que fluirá da minha boca e das minhas lembranças quando eu tiver
meus 53 anos.
Já fui alguém
de muitas certezas e convicções. Eu já fui um grande proclamador de verdades
absolutas. Hoje não me sobram muitas coisas desse tipo. Não sei se as perdi ou
se as deixei no meio do caminho. Acho que os dois. Já tive planos em que tive a
certeza que iriam se concretizar. Não concretizaram. Já tive sonhos que tive a
certeza que continuariam existindo depois de acordado. Sumiram quando abri os
olhos. Já tive projetos que iriam revolucionar o mundo. Ninguém chegou a
conhecer. Já tive anotações brilhantes, poéticas, inspiradoras. Molharam e não
soube escrever de novo, do mesmo jeito, com aquelas palavras. Já tive visões
arrebatadoras que poderiam iluminar os olhos de muitas pessoas. Ninguém viu e
eu também deixei de ver. Já trilhei
caminhos sabendo exatamente onde ia dar. Não cheguei onde pensei que chegaria,
me perdi e não voltei. Já soube exatamente como seria minha vida aos 24 anos e
ela não se parece com nada do que eu sabia. Já tive discursos certeiros, promessas
feitas de olhos fechados e palavra de homem de palavra. Me arrependi voltando
atrás, quebrei as promessas e junto se foram alguns vínculos e menti perdendo a
credibilidade. Já olhei o céu sabendo exatamente o que pensar dele e hoje me
sobram muitas estrelas e galáxias e poucos conceitos e teorias. Já olhei as
pessoas sabendo exatamente o que identificar de cada uma delas, como se eu
possuísse algum raio x de alma, e todas me surpreenderam me fazendo viver com o
inesperado e o improviso. Homens que pareciam de alma pura com presas afiadas,
homens que pareciam ter presas afiadas com a alma pura. E eu já fui desses dois
tipos de homens e hoje eu estou mais para a opinião de que conceituar isso
também é outra perda de tempo, afinal tudo muda o tempo todo, inclusive as
pessoas. Já escrevi coisas as considerando arrematadoras e hoje sinto vergonha
daqueles rabiscos e procuro pensar que não fui eu que escrevi aquilo. Esse
texto pode ser um deles num futuro próximo, mas eu não sei. Eu não sei nada e
isso é horripilante. Olhar pra trás e perceber que todas as coisas que eram
certas deixaram de ser, e que todas as convicções não sobreviveram ao tempo, à
realidade e a vida também não é muito confortável.
E agora estou
aqui, diante de outra decepção que será um tipo de marco, de estaca. Me sinto
frente à uma bifurcação tendo minha vida à um triz de mudar drasticamente de
novo e eu continuo sem fazer idéia de como vou contar minha história quando eu
tiver meus 53 anos. Talvez isso que agora trava minha garganta seja o motivo de
dizer futuramente: ‘e houve aquilo, e graças a Deus, porque por causa disso
minha vida foi para onde deveria ir’ e então todos aplaudem e tiram suas lições
de como vencer as frustrações e eu me sinto ótimo por ser um mártir das
pancadas da vida, ou isso que acontece agora pode ser uma das causas de me
fazer rastejar procurando por algum argumento, por alguma força que me faça
dizer que tudo tem um propósito, e que mesmo rastejando eu devo dar graças,
fazendo da gota salgada do rosto um tipo de bebida tônica, mesmo duvidando de
tudo, e que nada virá disso, nenhum tipo de flor no meio do asfalto, virando
apenas uma lembrança ruim que tentamos esquecer mas que não vai embora.
Não sei, acho
que é isso que se sente quando nos sentimos perdidos... o choque com a nossa pura
ignorância frente à vida e o que vem dela. A gente tenta dizer ‘dane-se’, mas
é só da boca pra fora. Dói quando uma chama se apaga e dor a gente não consegue
ignorar.
Vejo alguns
velhos rindo e me dizendo ‘pare de besteira garoto, você é muito jovem’. E eu
vejo outros velhos me ouvindo e dizendo ‘eu tenho 62 e estou igual a você,
garoto’, e vejo aqueles velhos dizendo a esses velhos que ainda lhes resta
tempo e então chego a conclusão de que talvez a maturidade não tenha haver com
a idade e sim com as certezas que você carrega e com o fato de você se sentir
pronto e feito. Então talvez quando eu tiver 53 anos eu continue novo e
despreparado. E vão me dizer, depois de lerem isso: “o que houve? Isso é muito
pessimista! Vou lhe emprestar um livro ótimo” e eu vou querer xingá-los e
mandá-los aos quintos dos infernos, mas irei sorrir e agradecer por tamanho
altruísmo.
O problema é
que eu tinha um plano A e deu merda. Na verdade eu já tive muitos planos com a
letra A.
‘A’ foi a
letra do nome da minha primeira paixão. Aline. Com ela eu aprendi a entender o
Alfalfa, dos batutinhas, foi o primeiro filme, de muitos que viriam depois, em
que tive minha primeira identificação. E agora não sei por que estou falando
disso e também não quero apagar.
Mulheres,
elas estão por toda parte, inclusive em desabafos e textos que não tenham
nenhuma relação com elas.
Talvez o
problema seja então a letra dos meus planos. Chega de A. Agora minha vida entra
no plano B. Também já tive um amor de letra B, mas não quero falar sobre isso.
Chega de planos. Chega de letras para os planos. Chega de adivinhar ou prever o
que virá. A questão é que o alfabeto não irá me dizer agora o que contar quando
eu tiver os meus 53 anos. O que me resta então é essa garrafa de vinho, um brinde
a imprevisibilidade da vida, um sorriso desgastado às perdas e desilusões, uma
mesa com o notebook, os sapatos tirados aliviando os pés cansados de uma trilha
em volta de não sei o quê, e a esperança que também se cansa de esperar e que
também gosta de beber.
Um brinde aos
53 anos que ainda não chegaram.
Ellion Montino
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