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sobre as mortes pelo caminho

Pode acontecer a qualquer hora
Numa daquelas tardes de sol
Em que tudo parece seguro
Estável
Firme

Pode acontecer a qualquer momento
No meio de uma tempestade
Abrindo um guarda-chuva
Pedindo um x-burguer
Escolhendo seu tipo favorito de bolacha no mercado
Amarrando o cadarço para aquele compromisso de daqui a pouco

Não há tempo determinado, entende?
Isso torna tudo mais assustador e magnífico
Ao mesmo tempo
E é isso
O fato de não saber o próximo passo que a vida dará em sua direção
Que deixa você vulnerável aos encontros com verdades das quais você adora negar

Pode ser numa quinta de tarde
Numa conversa a dois
Numa troca de e-mail
Num olhar servido de quietude
Numa tensão que te consome sem dizer de onde veio

Acontece comigo
Em momentos esporádicos da minha existência
Geralmente quando tudo está bem
Aparentemente bem
Então vem aquele golpe certeiro
No meio da cara
No meio das juntas
E o chão parece nunca ter sido tão próximo

Algo te engole e te consome
Como um buraco que se abre debaixo de você
Não há buraco
Mas algo,
Subjetivamente literal,
Te puxa pra esse algo sem nome e sem espaço físico

Verdades e palavras
Feito bisturi
Rasgando você
Abrindo você
Sem anestesia
Sem chance de fuga
Sem meios de desconversar ou dizer “isso é um equívoco”

E aquele mundo todo construído
E habilmente arquitetado e monitorado fica exposto
Visível
E rui
Desmorona
E não há nada que possa ser feito

Imagine suas vulnerabilidades
As coisas que você sabe e pensa que ninguém percebe
As coisas que você nega e esconde pra se inserir
Pra se sentir aceito
E então, num dia qualquer
Numa hora não planejada
Isso chega até você, por outro
Ou por si
Como um segredo revelado
Como um soco na boca do estômago retirando-lhe o ar e o controle

Esses momentos contrariam todas as fotos felizes no face
Todas as frases de efeito de pensadores
Todas imagens fofinhas e bonitinhas colocadas no seu mural
Todo fingimento de que tudo corre bem o tempo inteiro na time-line

O soco vem certeiro na vida real
Fora das redes
Fora da construção viral
Bate de frente com o travesseiro onde você repousa a cabeça
E não consegue dormir durante os primeiros 20 minutos
Pensando que algo poderia ser diferente
Que sua vida poderia ser outra se...
Se...
Mas nada acontece
Até a vida resolver mexer no seu jogo
E inverter sua rota
E te apunhalar pelo lado menos esperado

Você não sangra de fato
Porém sua alma...

O olhar se perde no horizonte
Busca o horizonte em busca de algo
Geralmente não encontra o algo
É por isso que fica perdido no longe e no vácuo
Porque o algo que se busca, não se encontra
Porque não são os olhos que se perderam
Mas algo dentro de si

Quem te salvará desses acontecimentos
Que podem te pegar a qualquer hora?
Ninguém.
Ninguém deve te salvar nessas horas.
Você deve ser engolido
Mastigado
Triturado
Digerido
Esse é o movimento que te fará continuar
E não a fuga.

Ser engolido
Nesses momentos
É a melhor salvação que te ocorre
Nada de desvios
Distrações
Os olhos devem cravar no espelho que te ataca
E permitir, nessa vez, a perdição e o mergulhar em si

Você irá morrer
Inevitavelmente
E perceberá que a morte pode não ser alguém com foice
Mas a coisa mais linda com a qual você cruzou

Quando a morte cruzar seu caminho
Num dia qualquer
Numa hora não marcada
Pra salvar você de você mesmo outra vez
Peça-a pra fazer sem anestesia
Pra que você esteja lúcido
Consciente
De cada momento que mostrará a você
Tudo aquilo que você teima não reconhecer

Depois que o ar voltar para seus pulmões
E você ressurgir do seu fim
Olhar pela janela
Pro chão
Pro céu
Pros outros
Não será a mesma coisa

Aconteceu comigo ontem
Já é a vigésima terceira morte que tive nesse ano
Parece que eu não aprendo
Parece que a morte é insistente em me ensinar
Ou eu que sou teimoso em não aprender
De toda forma, o gosto da foice nem sempre é de fel.

Enquanto o sabor da morte desce rasgando pela garganta
Brindo o meu renascimento que ainda não tem hora pra acontecer.

Ellion Montino

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