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Parte

Já te perguntaram a cor dos seus olhos? Encanto. Há quem use palavras para convencer que se ama. Ou que ama alguém. No entanto, quando convêm, cala. O velho diálogo de Adão e Eva proposto - ora, posto - por Machado de Assis, em Memórias, é verossímil. As palavras voam além dos pensamentos.

Muitas conversas começam com um olhar. Os olhos são a metonímia do corpo. Se o corpo fala, milhões de neurônios, hormônios e homônimos se agitam, movimentam, aquecem a pele. Os olhos vão além, são a parte externa no cérebro, da mente, da alma, do ser. Mas os olhos são parte do corpo. Parte do todo.

A cena não surpreende. Sempre conversa com estranhos. E, agora, vem a conjunção "mas"... E é... Mas as palavras pareceram enfim encontrar terreno fértil. Enquanto falava, encantava - como a sereia Iara de nossa mitologia brasileira. Nunca fizera tanto sentido ter tanta habilidade com a retórica.

Quem passa, vê um casal. Ao olhar de longe parecem falar como apaixonados. Mas não há paixão. São interesses comuns. (Você pode discordar, o único narrador onisciente é Deus, escritor é pretensioso). Falam sobre o Brasil, a Copa da FIFA, compra de Dólares e viagens para Miami. Mas usam um tom grave, parecem estar em Ágora, discursando para vencer. As palavras encantam. Os olhos, no entanto, pouco se afetam pela mecânica da fala. Parecem tentar dizer outra coisa, revelam um desespero subterrâneo. O todo, o corpo fala. O olho, a parte se cala. Parece sempre dizer muito mais a metonímia do corpo.

Luiz Henrique, fim de maio de 2014.

Luiz Henrique F. Cunha é professor e escritor
tem um blog http://luizhenrich.wordpress.com
Seu livro novo tem um site: http://historiade50metros.com


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